quinta-feira, 1 de março de 2018

O SILÊNCIO DOS BONS




Imagem do blogue “BLOGUARATUBA”



O SILÊNCIO DOS BONS



Em democracia, quando a maioria decide, está decidido. Seria muito simples se assim fosse, mas não é.

Primeiro, em Democracia nem sempre a maioria tem razão. Quantas e quantas vezes a história demonstra isso mesmo. As decisões que uma maioria delibera significam, apenas, que foi tomada uma opção, mas essa opção pode não ser a melhor.

Segundo, em Democracia as decisões tomadas por uma maioria devem ser acatadas, mas nada impede que as minorias não as devam continuar a contestar e, se necessário, procurar alterar as decisões através de processos democráticos.

Terceiro, em Democracia há valores que não devem ser votados, pois fazê-lo poria em causa a própria democracia através, nomeadamente, do silenciamento das minorias. Se, por maioria, ou mesmo por unanimidade, fosse deliberado que deixava de haver eleições periódicas, não há dúvida que a decisão tinha sido democraticamente tomada, mas o regime democrático tinha sido extinto com essa deliberação.

A essência do Movimento Associativo baseia-se na aplicação de processos democráticos em que é defendida a liberdade de expressão, sem constrangimentos, a eleição periódica dos Órgãos Sociais assente no poder legislativo (Assembleia Geral), no poder executivo (Direcção) e no poder Fiscalizador e Disciplinar (Conselho Fiscal) e é aplicado o voto proporcional à responsabilidade de cada associado em conformidade com o que as normas Estatutárias e a Lei dispuserem.

Defender a democracia, não apenas no abstracto, mas, principalmente, no concreto, é tarefa nobre que responsabiliza todos, nomeadamente os membros dos Órgãos Sociais de cada instituição e, em primeiro lugar, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral.

Nem sempre, porém, nas associações, os valores da democracia são respeitados e defendidos. Compadrio, amizades, inimizades, interesses e outros factores levam a que a isenção democrática seja preterida. Nesses ambientes de falta de isenção democrática torna-se difícil “nadar contra a corrente”, lutar contra o pensamento dominante e promover a abertura a novas e/ou diferentes ideias.

E é aqui que surge a Associação Autocaravanista de Portugal – CPA.

Ao longo de 28 anos de existência os sócios do CPA foram construindo, passo a passo, uma associação democrática e com uma gestão transparente, não obstante, por vezes, muito poucas, alguém “pisar o risco”.

Um exemplo desse “pisar o risco” teve lugar na Assembleia Geral de 4 de Novembro de 2017. Vamos aos factos:

Um associado solicitou na Assembleia Geral autorização para o uso da palavra e a Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral (que substituía o Presidente ausente) antes de conceder a palavra ao sócio disse-lhe, de forma que não adjectivo, para ser breve. De imediato o associado prescindiu do uso da palavra. E preparava-se a Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral para prosseguir quando…

...um outro associado pediu a palavra e questionou (criticou) a Vice-Presidente da Mesa por ter de alguma forma condicionado a intervenção de um sócio. Foram trocados ainda alguns argumentos (entre o associado interventor e a Vice-Presidente) relacionados com a liberdade de expressão, que esse outro associado considerava ter sido condicionada pela Vice-Presidente, após o que a Assembleia Geral prosseguiu.

Este acontecimento é UM EXEMPLO daquilo a que eu chamo “pisar o risco”.

É perfeitamente admissível que quem exerce funções de coordenação de uma Assembleia se dirija à mesma, ou seja, a todos os presentes, indistintamente, e para um melhor aproveitamento do tempo e dos trabalhos, solicite que sejam todos tão breves quanto possível ou, se achar necessário, determinar que nenhum interveniente possa estar, por exemplo, mais de 10 minutos no uso da palavra.

Não é, porém, de todo admissível que alguém no exercício de funções de Presidência de uma Assembleia se dirija a um sócio específico e o possa condicionar ao publicamente lhe “exigir”, ainda antes do uso da palavra se iniciar, que seja breve.

Como no inicio deste texto digo “a essência do Movimento Associativo baseia-se na aplicação de processos democráticos em que é defendida a liberdade de expressão, SEM CONSTRANGIMENTOS. A Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral do CPA violou essa liberdade de expressão ao, com ou sem intenção, condicionar um sócio que até se sentiu na necessidade de prescindir do uso da palavra sobre o tema em discussão. Verificou-se, efectivamente, uma tentativa, intencional ou não, de constrangimento.

Desenganem-se os que pretendam ver neste escrito a mensagem de que o CPA, os dirigentes e os associados, como um todo, não subscrevem valores inerentes à democracia. Mas, como em muitas outras situações, os valores quando não são usados perdem-se e é imprescindível, para que não morram, que haja quem os defenda. Felizmente há sempre alguém que diz basta.

Em todo este cenário, o mais relevante, o que deve ser assinalado, é que um associado se ergueu para defender um princípio. Repito: ergueu-se para defender um princípio. Foi alguém que entende que quando um direito de um homem é “beliscado” são os direitos de todos os homens que estão em perigo. E, por ter sido apenas um a fazer-se ouvir e sem pretender fazer comparações com o que não é comparável, recordo o ”lamento” de um homem que foi assassinado por defender a liberdade, a fraternidade e a igualdade:

O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”
(Martin Luther King)?



(O autor, todas as Quintas-feiras, no Blogue do Papa Léguas Portugal, emite uma opinião sobre assuntos relacionados com o autocaravanismo (e não só) - AQUI)  

1 comentário:

  1. Sobre este artigo de opinião a Direcção do CPA em 1 de Março de 2017 emitiu um Comunicado que pode ser lido no Portal do CPA e sobre o qual esclareço o que se segue
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    Saúdo e agradeço o Comunicado da Direcção do CPA de 1 de Março de 2018 que vem confirmar o teor do meu artigo de opinião “O silêncio dos bons” nomeadamente no que se refere aos seguintes pontos:

    - “(…) que no nosso entender nunca deixou de existir ao longo de toda a Assembleia, tendo a mesma decorrido com toda a normalidade e onde todos os sócios se puderam manifestar sempre que o solicitaram, sem qualquer limitação de tempo. “, lê-se no comunicado

    Efectivamente assim é, a Assembleia Geral prosseguiu com toda a normalidade porque a acção constrangedora, intencional ou não, da Vice Presidente da Assembleia Geral foi travada. Como afirmei, a Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral teve relativamente a um sócio em concreto e ainda antes de este ter iniciado o uso da palavra, “aconselhado” o a ser breve e de uma tal forma que de imediato o associado prescindiu do uso da palavra. Foi de tal forma evidente este “incidente”, como o designa o comunicado da Direcção, que motivou no imediato o protesto de um outro associado presente na Assembleia.

    - “Queremos publicamente prestar a nossa solidariedade à visada por considerarmos que nunca pôs em causa a liberdade de expressão e o pequeno incidente transcrito foi de imediato sanado com a sua intervenção em resposta ao associado que interpelou a Mesa, (...)”, lê-se no comunicado

    Efectivamente assim é, a Vice-Presidente da Assembleia Geral nunca pôs em causa a liberdade de expressão de todos os associados, excepto de um, na medida em os constrangimentos se não colocaram a mais ninguém. Mas não há dúvida que a Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral constrangeu a liberdade de expressão, intencionalmente ou não, ao condicionar o uso da palavra a um associado que, perante a pressão com que foi inesperadamente confrontado, considerou não ter condições para usar da palavra e dela prescindiu naquele ponto.

    Concluindo:

    1 – O “incidente” existiu;

    2 – A vice Presidente da Mesa da Assembleia Geral pressionou, intencionalmente ou não, um sócio específico para que fosse breve, ainda antes de lhe dar a palavra e logo no início da Assembleia;

    3 – O sócio pressionado sentiu que não tinha condições para intervir sobre o tema que ia ser discutido e prescindiu da palavra;

    4 – Um outro sócio protestou contra a actuação da Vice-Presidente por entender que a pressão exercida fora inadequada;

    5 – A Vice-Presidente prosseguiu a Assembleia sem sequer ter, depois do “incidente”, voltado a perguntar ao sócio que tinha prescindido do uso da palavra se pretendia intervir.

    6 – O meu artigo de opinião pode ser lido acima

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