quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Para inglês ver





Estatutos para inglês ver



No Artigo 24º da Constituição da República Portuguesa é afirmado textualmente: “Em caso algum haverá pena de morte”.

Imaginem agora que, por absurdo, a Assembleia da República, em sessão ordinária, aprovava uma Lei que suspendia, embora temporária e condicionalmente, a aplicação da disposição do Artigo 24º da Constituição, permitindo, assim, que nesse período de suspensão pudesse ser aplicada a pena de morte. Ou imaginem que não era a Assembleia da República, mas um qualquer Governo que através de um Decreto-lei o fazia. Seria esta medida possível num Estado de Direito?

Não! Num Estado de Direito isso não era possível.

A Constituição da República Portuguesa é uma Lei, aprovada em determinadas condições formais, que só pode ser alterada, também em determinadas condições formais, nomeadamente por uma Assembleia com poderes constituintes. Nessa medida uma Lei, mesmo que aprovada na Assembleia da República, desde que essa Assembleia não tenha poderes constituintes, não pode suspender qualquer disposição constitucional. O mesmo, por mais evidentes razões, nenhum Decreto-lei ou quaisquer outras disposições legais o podem fazer.

As disposições legais estão hierarquicamente configuradas de forma que nenhuma disposição legal pode anular, alterar ou dispor contrariamente o que uma outra legislação hierarquicamente superior disponha. Este princípio faz jurisprudência em qualquer análise legal. E digo qualquer porque ela abrange, também, as regras a que devem obedecer as associações. Os Estatutos de uma associação, do CPA por exemplo, não podem contrariar disposições legais hierarquicamente superiores; também, por exemplo, Regulamentos Internos de uma associação não podem, mesmo que aprovados em Assembleia Geral dessa associação, anular, alterar, suspender ou dispor contrariamente aos Estatutos.

Recorrendo uma vez mais à nossa memória vamos debruçar-mo-nos sobre os Estatutos de uma entidade nossa conhecida onde no Artigo 14º se pode ler: “Os membros dos órgãos sociais dos clubes não podem fazer parte dos órgãos gerentes da FPA.” e no Artigo 16º também se pode ler: “O Presidente de órgão gerente não poderá desempenhar tais funções por mais de dois mandatos consecutivos.”. Não nos preocupemos em interpretar o que são órgãos sociais e o que são órgãos gerentes, porque, no momento, não é importante. Mas, se lermos os Regulamentos Internos dessa mesma entidade, temos que realçar, no Título V desses Regulamentos, duas normas:

A primeira norma autoriza que “Enquanto o conjunto dos membros da FPA não tiver um número de associados que permita uma razoável escolha de elementos para formar listas candidatas aos Corpos Sociais da Federação, fica suspensa a aplicação do nº 4 do Art.º 14º e do nº 2 do Art.º 16, ambos dos Estatutos da FPA.” ou seja, foi aprovado um Regulamento Interno que permite que os órgãos sociais de um Clube possam fazer parte dos órgãos gerentes da FPA, o que os Estatutos, como acima lemos, proíbem e, no mesmo Regulamento Interno autoriza-se que o Presidente da Direcção da FPA exceda dois mandatos consecutivos, o que os Estatutos também proíbem;

A segunda norma estabelece que “As restrições expressas no nº 4 do Art.º 14º dos Estatutos da FPA mantêm-se para os Presidentes dos Clubes membros da FPA” disposição que contraria os Estatutos, pois que os mesmos não proíbem apenas os Presidentes dos Clubes de exercerem funções nos órgãos gerentes da FPA, mas proíbem esse exercício a todos os membros dos órgãos sociais dos Clubes.

Recordo, aos menos atentos a “estas coisas”, que uns Estatutos têm uma dignidade legal e hierárquica superior a Regulamentos Internos. Seria eventualmente o mesmo que uma postura municipal determinar que no respectivo Concelho o trânsito se passasse a fazer pela esquerda, anulando a disposição da Lei (Código da Estrada) que define que o trânsito deve fazer-se pela direita das vias.

É tudo isto importante? Para a FPA estou em crer que não. Como não são importantes muitas outras questões, formais e de substância, que venho desde há muito referindo nas minhas “Opiniões das Quintas-feiras”. Opiniões baseadas em factos, que assinalo, comprovando-os. Já os meus “inimigos de estimação”, que recorrem a ofensas pessoais em que por vezes englobaram os meus familiares, prosseguem o seu rumo sem rumo, dando às vezes o dito por não dito, comungando de parte das teses dos detractores do autocaravanismo, continuando a procurar obter dividendos (pessoais?) com a criação da FPA.


NOTAS:

SIGNIFICADO: Lei para inglês ver é a expressão usada no Brasil e em Portugal para leis ou regras consideradas demagógicas e que não são cumpridas na prática.

INFORMAÇÃO: Tive conhecimento da entrevista dada à “Rádio Regional do Centro” pelos Presidentes das Direcções da FPA e da AAP que tenciono comentar na próxima Quinta-feira.



(O autor, todas as Quintas-feiras, no Blogue do Papa Léguas Portugal, emite uma opinião sobre assuntos relacionados com o autocaravanismo (e não só) - AQUI)

1 comentário:

  1. Como sou o regente da cadeira de cidadania numa Universidade Sénior, a minha primeira aula, vai para três anos, foi sobre este tema. Salento que o mais importante na nossa Constituição é "em caso algum". É que embora fossemos pioneiros nesta questão (salvo uns meses em que Garibaldi manteve a república toscana), nunca a lei fo "em caso algum",

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