segunda-feira, 14 de julho de 2014

Poesia de… Augusto Gil



BALADA DA NEVE

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
 Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…

E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração

(Augusto Gil – 1873-1929)


Diversas são as formas de dizer e entender a “Balada da Neve” de Augusto Gil. A mais (?) comum apresenta-se envolta num manto branco de poesia, ou seja, a sublimação da pobreza. Recordemos, porém, que a Convenção sobre os Direitos da Criança só é aprovada por representantes de centenas de países no dia 20 de novembro de 1989 (uns 50 anos depois do poema ter sido escrito) e que, presentemente, apenas dois países não ratificaram a Convenção: Estados Unidos da América e Somália. (ver AQUI)

A Vídeo que ilustra estes versos vai contra a corrente poética estabelecida e traz o poema para a realidade dos nossos tempos através de imagens bem elucidativas do sofrimento de milhares (milhões?) de crianças em todo o mundo.





Augusto César Ferreira Gil (Lordelo do Ouro, 31 de julho de 1873 - Guarda, 26 de fevereiro de 1929) advogado e poeta português, viveu praticamente toda a sua vida na Cidade da Guarda onde colaborou e dirigiu alguns jornais locais.

Estudou inicialmente na Guarda, a "sagrada Beira", de cuja paisagem encontramos reflexos em muitos dos seus poemas e de onde os pais eram oriundos, e formou-se em Direito na Universidade de Coimbra.

Começou a exercer advocacia em Lisboa, tornando-se mais tarde director-geral das Belas-Artes. Na sua poesia notam-se influências do Parnasianismo e do Simbolismo. Influenciado por Guerra Junqueiro, João de Deus e pelo lirismo de António Nobre, a sua poesia insere-se numa perspectiva neo-romântica nacionalista.
.
 Fonte: Wikipédia – A enciclopédia livre

Sem comentários:

Enviar um comentário