segunda-feira, 21 de julho de 2014

Poesia de… Teixeira de Pascoaes


Elegia do Amor

I
Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para fora do povo
Alegre e dos casais,
Onde só Deus pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu levavas, na mão,
Um lírio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu triste, meditava
Na vida, em Deus, em ti...
E, além, o sol doirado
Morria, conhecendo
A noite que deixava.
Harmonias astrais
Beijavam teus ouvidos;
Um crepúsculo terno
E doce diluía,
Na sombra, o teu perfil
E os montes doloridos...
Erravam, pelo Azul,
Canções do fim do dia.
Canções que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia, na memória...
Assim o que partiu
Em frágil caravela,
E andou por todo o mundo,
Traz, no seu coração,
A imagem do que viu.
Olhavas para mim,
Às vezes, distraída,
Como quem olha o mar,
À tarde, dos rochedos...
E eu ficava a sonhar,
Qual névoa adormecida,
Quando o vento também
Dorme nos arvoredos.
Olhavas para mim...
Meu corpo rude e bruto
Vibrava, como a onda
A alar-se em nevoeiro.
Olhavas, descuidada
E triste...
Ainda hoje te escuto
A música ideal
Do teu olhar primeiro! Ouço bem a tua voz,
Vejo melhor teu rosto
No silêncio sem fim,
N a escuridão completa!
Ouço-te em minha dor,
Ouço-te em meu desgosto
E na minha esperança
Eterna de poeta!

II
O sol morria, ao longe;
E a sombra da tristeza
Velava, com amor,
Nossas doridas frontes.
Hora em que a flor medita
E a pedra chora e reza,
E desmaiam de mágoa
As cristalinas fontes.
Hora santa e perfeita,
Em que íamos, sozinhos,
Felizes, através
Da aldeia muda e calma,
Mãos dadas, a sonhar,
Ao longo dos caminhos...
Tudo, em volta de nós,
Tinha um aspecto de alma.
Tudo era sentimento,
Amor e piedade.
A folha que tombava
Era alma que subia...
E, sob os nossos pés,
A terra era saudade,
A pedra comoção
E o pó melancolia.
Falavas duma estrela
E deste bosque em flor;
Dos ceguinhos sem pão,
Dos pobres sem um manto.
Em cada tua palavra,
Havia etérea dor;
Por isso, a tua voz
Me impressionava tanto!
E punha-me a cismar
Que eras tão boa e pura,
Que, muito em breve - sim! -,
Te chamaria o céu!
E soluçava, ao ver-te
Alguma sombra escura,
Na fronte, que o luar
Cobria, como um véu. A tua palidez
Que medo me causava!
Teu corpo fino
E leve (oh meu desgosto!)
Que eu tremia, ao sentir
O vento que passava!
Caía-me, na alma,
A neve do teu rosto.
Como eu ficava mudo
E triste, sobre a terra!
E uma vez, quando a noite
Amortalhava a aldeia,
Tu gritaste, de susto,
Olhando para a serra:-
Que incêndio! -
E eu, a rir,
Disse-te: - É a lua cheia!...

III
E sorriste também
Do teu engano.
A lua
Ergueu a branca fronte,
Acima dos pinhais,
Tão ébria de esplendor,
Tão casta e irmã da tua,
Que eu beijei, sem querer,
Seus raios virginais.
E a lua, para nós,
Os braços estendeu.
Uniu-nos num abraço,
Espiritual, profundo;
E levou-nos assim,
Com ela, até ao céu...
Mas, ai, tu não voltaste
E eu regressei ao mundo.

(Teixeira de Pascoaes – 1877-1952)




Teixeira de Pascoaes, pseudónimo literário de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, (Amarante, 8 de novembro de 1877 — Gatão, 14 de dezembro de 1952) foi um poeta e escritor português, principal representante do Saudosismo

Nasceu no seio de uma família aristocrática de Amarante, o segundo filho (de sete) de João Pereira Teixeira de Vasconcelos, juiz e deputado às Cortes e de Carlota Guedes Monteiro. Foi uma criança solitária, introvertida e sensível, muito propenso à contemplação nostálgica da Natureza.

Em 1883, inicia os estudos primários em Amarante, e em 1887 ingressa no liceu da vila. Em 1895, muda-se para Coimbra onde termina os seus estudos secundários (em Amarante não foi bom aluno, tendo até reprovado em Português) e em 1896 inscreve-se no curso de Direito da Universidade de Coimbra. Ao contrário da maioria dos seus camaradas, não faz parte da boémia coimbrã, e passa o seu tempo, monasticamente, no quarto, a ler, a escrever e a reflectir.

Licencia-se em 1901 e, renitentemente, estabelece-se como advogado, primeiro em Amarante e, a partir de 1906, no Porto. Em 1911, é nomeado juiz substituto em Amarante, cargo que exerce durante dois anos. Em 1913, com alívio, dá por terminada a sua carreira judicial. Sobre esta sua penosa experiência jurídica dirá: "Eu era um Dr. Joaquim na boca de toda a gente. Precisava de honrar o título. Entre o poeta natural e o bacharel à força, ia começar um duelo que durou dez anos, tanto como o cerco de Tróia e a formatura de João de Deus. Vivi dez anos, num escritório, a lidar com almas deste mundo, o mais deste mundo que é possível — eu que nascera para outras convivências."

Sendo um proprietário abastado, não tinha necessidade de exercer nenhuma profissão para o seu sustento, e passou a residir no solar de família em São João do Gatão, perto de Amarante, com a mãe e outros membros da sua família. Dedicava-se à gestão das propriedades, à incansável contemplação da natureza e da sua amada Serra do Marão, à leitura e sobretudo à escrita. Era um eremita, um místico natural e não raras vezes foi descrito como detentor de poderes sobrenaturais.

Apesar de ser um solitário, Gatão era local de peregrinação de inúmeros intelectuais e artistas, nacionais e estrangeiros, que o iam visitar frequentemente.5 No final da vida, seria amigo dos poetas Eugénio de Andrade e Mário Cesariny de Vasconcelos. Este último haveria de o eleger como poeta superior a Fernando Pessoa, chegando a ser o organizador da reedição de alguns dos textos de Pascoais, bem como de uma antologia poética, nos anos 70 e 80.

Pascoais morreu aos 75 anos, em Gatão, de bacilose pulmonar, alguns meses depois da morte da sua mãe, em 1952.

Fonte: Wikipédia – A enciclopédia livre

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