LEGITIMIDADES
Ao
longo dos 26 anos de existência do CPA a história do
autocaravanismo em Portugal confunde-se com a história desta
associação. No próximo dia 19 de Novembro terá lugar um novo
momento histórico que, infelizmente, os associados do CPA serão
obrigados a protagonizar: Deliberar sobre a cessação de filiação
na FCMP.
Porque
propõem, então, os dirigentes do CPA que cesse a filiação na
FCMP? Essencialmente pelos efeitos que têm para o autocaravanismo as
propostas da FCMP de alteração ao Decreto -Lei n.º 310/2002, de 18
de dezembro de que se realça a alínea d) do artigo 1º e o n.º 4
do artigo 18º.
A
proposta de alteração da alínea d) do artigo 1º diz o seguinte:
“Realização de acampamentos ocasionais,
individuais ou coletivos,
fora dos parques de campismo e caravanismo ou de áreas de serviço
destinadas exclusivamente ao estacionamento e pernoita de
autocaravanas;” (Sublinhado meu)
Já
a proposta da FCMP de alteração ao n.º 4 do artigo 18º, que ainda
é mais esclarecedora das intenções a que a FCMP se propõe
alcançar, diz o seguinte: “Constitui
acampamento ocasional, nomeadamente, a pernoita no interior de
caravana, autocaravana ou outro veículo automóvel estacionado na
via pública ou em terreno de que o utilizador do veículo não seja
proprietário.”
E
SE AS PROPOSTAS DA FCMP FOSSEM LEI?
Aqui
ficam alguns exemplos do que poderia acontecer se as alterações
legislativas entregues pela FCMP na Assembleia da República
tivessem acolhimento:
Exemplo
1 –
Um único autocaravanista está correctamente estacionado na via
pública e pernoita nesse local.
Uma
autoridade policial pode considerar ao abrigo de lei aprovada com
base na proposta da FCMP, que está perante um acampamento ocasional
e solicita ao presumível transgressor que apresente a necessária
autorização camarária. Se o autocaravanista não tem a
autorização é passível de ser autuado.
Exemplo
2
– Um autocaravanista encontra-se estacionado numa Área de Serviço
de Autocaravanas construida num espaço comercial (um restaurante, um
supermercado, etc.).
Uma
autoridade policial pode considerar, ao abrigo de lei aprovada com
base na proposta da FCMP, que está perante um acampamento ocasional
e solicita ao presumível transgressor que apresente a necessária
autorização camarária. No entanto, não tendo o autocaravanista a
autorização camarária exigida por lei, de nada lhe serve vir
alegar que o espaço em que se encontra não é público, mas
propriedade, por exemplo, de um supermercado, pois a autoridade
policial pode legalmente contrapor que a lei proíbe acampamentos
ocasionais, não só na via pública, como também em “terreno
de que o utilizador do veículo não seja proprietário”.
Consequentemente o autocaravanista pode, ao abrigo da lei proposta
pela FCMP, ser autuado.
Exemplo
3
– Um condutor de um camião TIR encontra-se no interior do
respectivo camião a pernoitar numa bomba de abastecimento de
combustível.
Uma
autoridade policial pode considerar, ao abrigo de lei aprovada com
base na proposta da FCMP, que está perante um acampamento ocasional
e solicita ao presumível transgressor que apresente a necessária
autorização camarária. Mesmo que o condutor do camião TIR
proteste, a autoridade policial pode evocar a lei aprovada com base
na proposta da FCMP que considera que a “pernoita
no interior de caravana, autocaravana ou outro
veículo automóvel
estacionado na via pública ou
em terreno de que o utilizador do veículo não seja proprietário”
é
proibida sem a prévia autorização camarária e também sem o
prévio parecer favorável de outras entidades.
Exemplo
4
– Um autocaravanista de visita a casa de um amigo, com quem janta,
solicita que o deixe pernoitar na autocaravana, no respectivo
quintal, devido a, por exemplo, não se encontrar em condições de
conduzir.
Ao
abrigo de legislação aprovada com base na proposta da FCMP o
autocaravanista encontra-se ilegal pelos motivos já referidos nos
dois exemplos anteriores. Contudo, é licito especular se o
proprietário do quintal (o amigo que o autocaravanista foi visitar)
não terá que provar que não recebeu qualquer pagamento pela
autorização de pernoita e se não será multado por utilizar
ilegalmente o quintal como um Parque de Campismo.
Exemplo
5
– Um autocaravanista encontra-se estacionado num Parque de
Estacionamento privado, semelhante, por exemplo, a um que se localiza
na Praia da Rocha (Portimão) e que é muito frequentado por
autocaravanistas.
Além
de se verificar relativamente ao autocaravanista o mesmo que é
referido no Exemplo 2, os proprietários desse Parque de
Estacionamento podem ser susceptíveis de penalização por
permitirem que se realize um acampamento ocasional sem prévia
autorização camarária ou, também, por não ter o Parque de
Estacionamento as condições exigidas para ser considerado um Parque
de Campismo exclusivo de autocaravanas.
TER
OU NÃO TER, EIS A QUESTÃO
Têm
os dirigentes da FCMP LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA para terem
proposto as alterações legislativas já aqui referidas? NÃO!
NÃO,
não têm LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA porque tinham subscrito uma
Declaração de Princípios que contraria os objectivos da proposta
de alterações que apresentaram na Assembleia da República.
NÃO,
não têm LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA porque tinham afirmado
publicamente, assumir como política autocaravanista, o princípio de
que “Existem
Leis da República bastantes para que esta matéria não necessite de
mais Legislação”
NÃO,
não têm LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA
porque tinham definido publicamente que “ESTACIONAR/PERNOITAR
é
a imobilização da autocaravana na via pública, respeitando as
normas de estacionamento em vigor, designadamente o Código da
Estrada, independentemente da permanência ou não de pessoas no seu
interior.”
NÃO,
não têm LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA
porque tinham considerado publicamente que “ACAMPAR
é
a imobilização da autocaravana, ocupando um espaço superior ao seu
perímetro, em consequência da abertura de janelas para o exterior,
uso de toldos, mesas, cadeiras e similares, para a prática de
campismo. “
Têm
os dirigentes do CPA LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA
para proporem aos respectivos associados que votem favoravelmente que
“(...)
a Associação Autocaravanista de Portugal – CPA cesse, com efeitos
imediatos, a sua filiação na Federação de Campismo e Montanhismo
de Portugal.”?
SIM!
SIM,
têm LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA
porque não foram auscultados previamente sobre a proposta
legislativa que a FCMP apresentou na Assembleia da República.
SIM,
têm LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA
porque, contrariamente ao que fizeram os dirigentes da FCMP,
atempadamente divulgaram e justificaram publicamente nos órgãos
próprios da associação o que se propõem fazer e as razões pelo
qual o fazem.
SIM,
têm LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA
porque convidaram a FCMP (que aceitou) a fazer-se representar e
intervir na Assembleia Geral do CPA e a justificar os motivos que
levaram os dirigentes da FCMP a apresentarem aquela proposta
legislativa.
AS
JUSTIFICAÇÕES (CONHECIDAS) DA FCMP
A
Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal (FCMP), em Junho de
2016, foi recebida na Assembleia da República onde, sem sequer
auscultar a maior associação autocaravanista de Portugal, o CPA,
propôs alterações legislativas sobre o estacionamento / pernoita
dos veículos autocaravanas (ver AQUI).
À
pala da defesa da actividade autocaravanista a FCMP justifica (?) a
apresentação da proposta legislativa argumentando que “A
legislação reguladora da prática do campismo (campismo,
caravanismo e autocaravanismo) não contém, atualmente, norma
expressa que proíba essa prática fora dos parques de campismo.”,
ou seja, a FCMP considera que a prática do autocaravanismo é,
SEMPRE, sinónimo de campismo e assim o entendendo a FCMP quer que a
legislação proíba a pernoita em autocaravana que não seja feita
em Parques de Campismo.
Porque
o conceito de acampamento ocasional, segundo a FCMP, não é
suficientemente definido para que as autocaravanas sejam nele
incluídas (e consequentemente proibidas de pernoitar na via pública)
a FCMP justifica que a proposta legislativa que propõe trará uma
mais clara definição para que, E NÃO HÁ OUTRA INTERPRETAÇÃO,
possa vir a ser proibida a pernoita dos veículos autocaravanas fora
dos Parques de Campismo.
Mas,
não fica por aqui a transparente intenção da FCMP, pois que
justifica ainda a necessidade da apresentação da respectiva
proposta legislativa com a ilegal (segundo a FCMP) “criação
de locais (Áreas
de Serviço equiparadas a equipamentos municipais)
onde se permite o estacionamento de autocaravanas com o intuito de
acampar e pernoitar no seu interior, sem as condições estabelecidas
na lei, isto é, sem o cumprimento dos requisitos legalmente
estabelecidos para esse efeito nos artigos 27º a 29º da Portaria nº
1320/2008, 17 de novembro, e 18º do D. L. nº 310/2002, de 18 de
dezembro.”. Esta (errada) argumentação da FCMP
pretende colocar à margem da lei as Câmaras Municipais que nos
respectivos municípios construiram Áreas de Serviço para
autocaravanas.
Salvo
melhor e mais douta opinião é tão legitimo as Câmaras Municipais
construirem Áreas de Serviço de Autocaravanas (equiparadas a
equipamentos municipais) como implementarem um espaço destinado a
“piqueniques” (com mesas e bancos) tendo anexo um local destinado
ao estacionamento de veículos, onde os respectivos proprietários
até podem dormir.
Na
realidade a Nota Justificativa da FCMP, relativa à proposta
legislativa que fez na Assembleia da República, assenta na
perspectiva de que o autocaravanismo é uma práctica exclusivamente
campista. Este conceito, agora defendido pela FCMP, vem renegar, não
só as políticas sobre autocaravanismo que constam do Portal da
FCMP, como os compromissos que assumiu, livremente, em conjunto com
outras entidades, entre as quais com o CPA, já para não falar dos
compromissos eleitorais a que TODOS os dirigentes da FCMP se
comprometeram e que, agora, “mandam às urtigas”, não honrando,
ao que tudo indica, a palavra então dada.
OS
OBJECTIVOS DA FCMP
Recordo
as duas alterações essenciais propostas pela FCMP:
A
proposta de alteração da alínea d) do artigo 1º diz o seguinte:
“Realização de acampamentos ocasionais,
individuais ou coletivos,
fora dos parques de campismo e caravanismo ou de áreas de serviço
destinadas exclusivamente ao estacionamento e pernoita de
autocaravanas;” (Sublinhado meu)
Como
é evidente o teor desta proposta legislativa passa a considerar
acampamento ocasional a pernoita mesmo que apenas de uma única
autocaravana. Com esta proposta de alteração a FCMP não deixa
dúvidas sobre o objectivo pretendido. Mas, para que também não
subsistam dúvidas, quando a FCMP se refere a Áreas de Serviço,
reporta-se a Áreas de Serviço implementadas ao abrigo da portaria
1320/2008 de 17 de novembro e não a Áreas de Serviço de
Autocaravanas implementadas pelas autarquias enquanto equipamentos
municipais.
A
proposta da FCMP de alteração ao n.º 4 do artigo 18º diz o
seguinte: “Constitui acampamento
ocasional, nomeadamente, a pernoita no interior de caravana,
autocaravana ou outro veículo automóvel estacionado na via pública
ou em terreno de que o utilizador do veículo não seja
proprietário.”
Se
havia dúvidas sobre os objectivos da FCMP o teor desta proposta
legislativa define-os. Vejamos:
“Constitui
acampamento ocasional (...)”
- Recordo, como atrás esclareci, que a FCMP quer, com a proposta que
faz, que apenas uma única autocaravana pernoitando fora de um Parque
de Campismo já constitua um acampamento ocasional;
“ (…)
a pernoita no interior de
caravana, autocaravana ou outro veículo automóvel estacionado na
via pública
(…) “ - Considerando que os acampamentos ocasionais têm que ser
obrigatória e PREVIAMENTE autorizados pelas Câmaras Municipais e
com o parecer favorável de outras entidades, os autocaravanistas que
pernoitem nas respectivas autocaravanas, sem essa prévia autorização
do município, passam, caso a proposta da FCMP seja aprovada, a estar
ilegais e, consequentemente, podem ser penalizados.
Mas
a FCMP não brinca em serviço e não se fica pelas autocaravanas. Na
proposta que faz abrange todos os veículos automóveis, não fora (a
única explicação possível) algum veículo não ser considerado
legalmente uma autocaravana e poder escapar à obrigação de
pernoitar apenas em Parques de Campismo.
“ (…)
a
pernoita no interior de
caravana, autocaravana ou outro veículo automóvel estacionado na
via pública ou em terreno de
que o utilizador do veículo não seja proprietário.”
(Sublinhado meu)
Para
a FCMP a pernoita no interior de um veículo não pode ser
circunscrita apenas à via pública, pois que se assim fosse os
espaços comerciais que permitem o estacionamento/pernoita de
autocaravanas não seriam abrangidos. Os apoios que os espaços
comerciais estão a proporcionar aos autocaravanistas têm, segundo a
proposta da FCMP, que ser travados para que, conforme pretende a
proposta da FCMP sejam os Parques de Campismo os únicos locais onde
a pernoita seja legalmente possível.
RESPONSABILIDADE
HISTÓRICA
No
início deste artigo de opinião escrevi que a
história do autocaravanismo em Portugal confunde-se com a história
do CPA e que a Assembleia Geral do CPA de 19 de Novembro será, como
espero, mais um marco na vida desta associação autocaravanista de
Portugal.
Mais
do que estar presente para apoiar os dirigentes do CPA, o que não é
menos importante, torna-se imprescindível que se verifique uma
participação digna na Assembleia Geral que em si mesma constitua
uma resposta aos que não honram a palavra dada, aos que não honram
os compromissos assumidos.
Para
memória futura e para a história do autocaravanismo em Portugal que
fique registado que a cessação da filiação da Associação
Autocaravanista de Portugal – CPA na Federação de Campismo e
Montanhismo de Portugal será única e exclusivamente da
responsabilidade dos dirigentes desta federação.
(O
autor, todas as Quintas-feiras, no Blogue do Papa Léguas Portugal,
emite uma opinião sobre assuntos relacionados com o autocaravanismo
(e não só) - AQUI)
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