terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

O XÉ-XÉ


HISTÓRIAS DE ANTANHO

(História número 2)


Introdução Permanente


No período compreendido entre 1945 e 1968 a cidade de Lisboa era bem diferente dos tempos de agora.


A relativamente pouca distância do centro da cidade de Lisboa, ficava o Martim Moniz, bem diferente do atual e a partir do qual se iniciava a Rua da Palma, logo continuada pela Avenida Almirante Reis, paralela à Rua do Benformoso que, por sua vez, terminava no Largo do Intendente, onde começava a Rua dos Anjos que atravessava a Avenida Almirante Reis e terminava no Largo de Santa Bárbara.


Este era o espaço (onde vivi) e as HISTÓRIAS DE ANTANHO se irão essencialmente localizar e a partir do qual outros espaços irão ser referidos no contexto de um ambiente humano muito peculiar.


O XÉ-XÉ


O Carnaval no mundo

Não está nas minhas intenções abordar a história do Carnaval no Mundo e desde as suas origens, contudo não será despiciente referir que para se analisar esta celebração ancestral há que tomar conhecimento com as “Origens nas festas pagãs da Antiguidade”, a “Assimilação e reinterpretação pela Igreja Católica”, a “Popularização na Europa durante a Idade Média”, a “Introdução nas Américas pelos colonizadores europeus”, a sua “Mescla com elementos de diferentes culturas”, a “Adaptação às novas realidades sociais e culturais" e a “Celebração em diferentes partes do mundo com características própriassendo, o Carnaval, mais que uma festa, uma expressão cultural rica em simbolismos.



O Carnaval em Portugal

Em Portugal o Carnaval tem início com os rituais célticos e romanos, como as Lupercais e as Saturnálias, mas com a ascensão do Cristianismo estas festas pagãs foram reinterpretadas e incorporadas no calendário religioso.


Com o surgimento da época moderna o Carnaval português começou a sofrer influências de outras culturas europeias, em que a sátira política e social se tornou um elemento importante da festa, com a utilização de disfarces e canções para criticar os poderosos.


O Carnaval português teve um período de declínio, devido a fatores como a repressão religiosa e o crescimento do movimento higienista, pois algumas  práticas carnavalescas eram vistas como insalubres ou perigosas, como, por exemplo, atirar à rua ou de janela para janela, púcaros e tachos de barro e alguidares já em desuso, além de limões-de-cheiro que mais não eram que balões enchidos com urina.


A partir de 1950 o Carnaval começou a transformar-se e surgiram os corsos e os ritmos musicais importados do Brasil e perdendo muito da espontaneidade popular.


 O Pierrot

As minhas tias, irmãs do meu pai, trabalhavam em casa como modistas.


(Modista é uma pessoa que se dedica à moda feminina, tira as medidas do corpo, corta o tecido e cria padrões, realizando sua atividade em uma pequena oficina ou então em sua própria casa. Para formar-se era necessário realizar algum tipo de curso (onde se aprendia a desenhar e as diferentes técnicas para confeccionar as peças)).


Esse seu mister levou-as a fazer-me um fato de Pierrot, teria eu uns 7 anos, para usar durante o carnaval.


(O Pierrot é o palhaço triste e na Commedia dell'Arte vivia um amor platónico por Colombina, não tendo coragem de se declarar, guardava flores e escrevia cartas e não as enviava. Por isso, é muitas vezes representado com lágrimas no rosto, uma flor ou um bilhete nas mãos; a Colombina é a amada platónica de Pierrot que foge com Arlequim, mas que, mais tarde, compreende o amor do Pierrot e volta para ele)


Esta é a minha mais antiga recordação de Carnaval e que, confesso, não gostei. Queria mascarar-me de “cowboy”, o que nunca consegui.



 O Xé-Xé

O que mais me impressionou, nesta época, também denominada “Entrudo”, teria eu ai uns dez, doze anos, foram os “Xé-Xé”, embora não fosse a única figura carnavalesca existente.


(O Xé-Xé era um mascarado que vestia um traje anterior à Revolução Industrial e que trazia numa mão uma vara com um chifre e na outra mão um facalhão de madeira. Esta figura, criada para a crítica social e para troçar dos poderosos de então,  acabou, mais as suas práticas, por ser proibida, embora essa proibição não fosse respeitada durante muito tempo.)


Da janela da minha casa, onde me encontrava, vi chegar o "Xé-Xé", acompanhado de muitos populares e de outros mascarados, nomeadamente “matrafonas” (homens vestidos de mulheres, mas com aspecto bem másculo).


Aparentemente o vinho já produzia efeitos apreciáveis naquele grupo.


(Nessa época as “brincadeiras” eram violentas. Papelinhos (confetes) que eram metidos à força na boca dos infelizes que se punham a jeito, bisnagas com urina esguinchando para a cara dos que passavam, saquinhos cheios de feijões ou grão projectados contra as cabeças e que aleijavam a sério, garrafinhas de mau cheiro (gás sulfídrico) deixadas no interior de estabelecimentos e que obrigavam a fugir para a rua, bombinhas de Carnaval (que provocavam por vezes acidentes), tric-tracs (produziam barulho e assustavam) e muitos outros.)


Então, o "Xé-Xé" da minha história escolheu um alvo, uma mulher relativamente jovem, que procurou fugir, e recitando uma qualquer cantilena o "Xé-Xé" exigia-lhe aparentemente dinheiro. A mulher procurava escapar-se, mas era impedida pelo "Xé-Xé" que a bloqueava com o corpo, com a vara e com o facalhão. Os basbaques riam-se alarvemente do medo e da impotência da mulher. Por fim, como não obtinha dinheiro, o "Xé-Xé" começou a bater com o facalhão de madeira nas nádegas da mulher que, aterrorizada, chorava de dor, de vergonha e de medo..


Já não me recordo quanto tempo durou aquele “divertimento”, mas a mulher lá conseguiu fugir. E o grupo do "Xé-Xé" lá seguiu, rua fora, tal predadores buscando outra presa para aterrorizarem.


Continuo, ainda hoje, sem saber se aquela era uma prática comum dos "Xé-Xés" ou se teria sido uma excepção, motivada, quiçá, pelo vinho.


LEIA TAMBÉM (Clique no título):

- COMO O MEU AVÔ SALVOU UM HOMEM (E depois se arrependeu?)


CRÉDITOS:

1ª Foto – Autor desconhecido.

2ª Foto – Autor: Augusto Bobone no espaço da C. M. de Lisboa

3ª Foto – Autor desconhecido no espaço de “Carnevalepegasus”.

4ª Foto - Autor: Augusto Bobone no espaço de “Lisboa de Antigamente”.



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