O
Sono de João
O João dorme... (Ó Maria,
Dize áquella cotovia
Que falle mais devagar:
Não vá o João, acordar...)
Tem só um palmo de altura
E nem meio de largura:
Para o amigo orangotango
O João seria... um morango!
Podia engulil-o um leão
Quando nasce! As pombas são
Um poucochinho maiores...
Mas os astros são menores!
O João dorme... Que regalo!
Deixal-o dormir, deixal-o!
Callae-vos, agoas do moinho!
Ó mar! falla mais baixinho...
E tu, Mãe! e tu, Maria!
Pede áquella cotovia
Que falle mais devagar:
Não vá o João, acordar...
O João dorme... Innocente!
Dorme, dorme eternamente,
Teu calmo somno profundo!
Não acordes para o mundo,
Póde affogar-te a maré:
Tu mal sabes o que isto é...
Ó Mae! canta-lhe a canção,
Os versos do teu irmão:
«Na Vida que a Dor povoa,
Ha só uma coisa boa,
Que é dormir, dormir, dormir...
Tudo vae sem se sentir.»
Deixa-o dormir, até ser
Um velhinho... até morrer!
E tu vel-o-ás crescendo
A teu lado (estou-o vendo
João! Que rapaz tão lindo!)
Mas sempre, sempre dormindo...
Depois, um dia virá
Que (dormindo) passará
Do berço, onde agora dorme,
Para outro, grande, enorme:
E as pombas que eram maiores
Que João... ficarão menores!
Mas para isso, ó Maria!
Dize áquella cotovia
Que falle mais devagar:
Não vá o João, acordar...
E os annos irão passando.
Depois, já velhinho, quando
(Serás velhinha tambem)
Perder a cor que, hoje, tem,
Perder as cores vermelhas
E for cheiinho de engelhas:
Morrerá sem o sentir,
Isto é deixa de dormir...
Acorda e regressa ao seio
De Deus, que é d'onde elle veio...
Mas para isso, ó Maria!
Pede áquella cotovia
Que falle mais davagar:
Não vá o João, acordar...
António Nobre – 1867-1900)
António Nobre nasceu na cidade do Porto a 16 de Agosto de
1867, numa família abastada. Seu pai era natural de Borba de Godim (Lixa),
tendo aí vivido durante sete anos. Passou a infância em Trás-os-Montes,
na Póvoa de Varzim, Leça de Palmeira e na Lixa.
Em 1888 matriculou-se
no curso de Direito da Universidade de Coimbra, mas não se inseriu
na vida estudantil coimbrã, reprovando por duas vezes. Optou então por partir,
em 1890, para
Paris onde frequentou a Escola Livre de
Ciências Políticas (École Libre des Sciences Politiques, de Émile
Boutmy), licenciando-se em Ciências Políticas no ano de 1895. Durante a sua
permanência em França familiarizou-se com as novas tendências da poesia
do seu tempo, aderindo ao simbolismo. Foi também em Paris que contactou com Eça de Queirós, na altura cônsul de Portugal naquela
cidade, e escreveu a maior parte dos poemas que viriam a constituir a
colectânea Só, que publicaria naquela cidade em 1892.
O livro de poesia Só, que seria a sua única obra
publicada em vida, constitui um dos marcos da poesia portuguesa do século XIX.
Esta obra seria, ainda em sua vida, reeditada em Lisboa, com variantes,
lançando definitivamente o poeta no meio cultural português. Aparecida num
período em que o simbolismo era a corrente dominante na poesia portuguesa
coeva, Só diferencia-se dos cânones dominantes desta corrente, o que
poderá explicar as críticas pouco lisonjeiras com que a obra foi inicialmente
recebida em Portugal. Apesar desse acolhimento, a obra de António Nobre teve como
mérito, juntamente com Cesário
Verde, Guerra Junqueiro, Antero
de Quental, entre outros, de influenciar decisivamente o modernismo português
e tornar a escrita simbolista mais coloquial e leve.
No seu regresso a Portugal decidiu enveredar pela carreira
diplomática, tendo participado, sem sucesso, num concurso para cônsul.
Entretanto adoece com tuberculose pulmonar, doença que o obriga a ocupar o
resto dos seus dias em viagens entre sanatórios na Suíça,
na Madeira, passando por New York,
pelos arredores de Lisboa e pela casa da família no Seixo,
procurando em vão na mudança de clima o remédio para o seu mal.
Vítima da tuberculose pulmonar, faleceu na Foz do Douro, a
18 de Março de 1900, com apenas 32 anos de idade, na casa de seu irmão Augusto
Nobre, reputado biólogo e professor da Universidade do Porto. Deixou inédita a
maioria da sua obra poética. Apesar da morte prematura, e de só ter publicado
em vida uma obra, a colectânea Só, António Nobre influenciou os grandes
nomes do modernismo português, como Fernando
Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, deixando uma marca
indelével na literatura lusófona.
Fonte: Wikipédia
– A enciclopédia livre