O natal é que passou
No dia 24 de Dezembro estarei sentado a uma pequena mesa com
a minha pequena família. Uma mesa farta em que não faltará o bacalhau da Noruega (espero que ainda sem fosfatos), as batatas, as couves, o ovo
(devidamente carimbado), tudo regado com o bom azeite português (talvez ainda
não adulterado) que faz parte da tão falada dieta mediterrânica, além, claro, de
muitos e muitos doces (sem edulcorantes). Ah!, já me esquecia do bom vinho
português (sem sulfitos, claro).
O meu neto estará desejoso que o jantar termine rapidamente
para correr a abrir os presentes que se acumularão sob a árvore de natal, uma imitação
de um pinheiro natural, que alguém da família foi buscar à arrecadação e encheu
de luzes e bolas, vermelhas, e que no passado chamávamos encarnadas por causa
das conotações politicas.
Se a noite estiver fria teremos o aquecimento ligado e,
muito importante, a televisão sintonizada num qualquer programa apropriado.
Talvez passe uma reportagem sobre os “sem-abrigo”, onde se vêm algumas dezenas
de voluntários a oferecerem uma sopa quente, tudo em directo, o que nos fará
sentir momentaneamente desconfortáveis, mas só momentaneamente, porque logo de
seguida somos visualmente brindados com ceias de natal, verdadeiros
deslumbramentos gastronómicos, servidas numas quaisquer salas decoradas a
primor, para satisfação de quem as pode pagar.
Por essa altura já o meu neto terá desfeito completamente os
embrulhos e regozijar-se-á com aquele presente que durante um mês ou dois se
não cansou de “gritar” a toda a família que era o queria que lhe desse o pai
natal (no meu tempo era o menino jesus).
Nestes jantares tradicionais não me parece que haja tempo
para pensar nos mais de dois milhões de portugueses e nos muitos e muitos
milhões que noutras partes deste maltratado planeta não têm uma alimentação
mínima, uma habitação condigna, um acesso a cuidados de saúde elementares, uma
oferta educativa quanto baste, porque, simplesmente porque, tiveram o azar de
ter nascido na parte errada do mundo e da sociedade.
E haverá tempo para a
solidariedade? Sabemos o que é ser-se solidário? Sabemos?
Há muitos, mesmo há muitos anos, foi
atribuída a um preso a autoria deste poema:
É Natal. E pr’a
meu mal,
No lugar em que
estou,
Eu não passei o
Natal.
O Natal é que
passou…
Para todos, mesmo com
o natal a passar, os meus votos de Boas Festas.
(O autor, todas as Quintas-feiras, no Blogue do Papa Léguas Portugal, emite uma opinião sobre assuntos relacionados com o autocaravanismo (e não só) – AQUI)
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