No centro da cidade um
grito
"E no centro da cidade, um grito. Nele morrerei,
escrevendo o que a vida me deixar. E sei que cada palavra escrita é um dardo
envenenado, tem a dimensão de um túmulo, e todos os teus gestos são uma
sinalização em direcção à morte - embora seja sempre absurdo morrer. Mas hoje,
ainda longe daquele grito, sento-me na fímbria do mar. Medito no meu regresso.
Possuo para sempre tudo o que perdi. E uma abelha pousa no azul do lírio, e no
cardo que sobreviveu à geada. Penso em ti. Bebo, fumo, mantenho-me atento, absorto
- aqui sentado, junto à janela fechada. Ouço-te ciciar amo-te pela primeira
vez, e na ténue luminosidade que se recolhe ao horizonte acaba o corpo. Recolho
o mel, guardo a alegria, e digo-te baixinho: Apaga as estrelas, vem dormir
comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge."
(Al Berto – 1948-1997)
Al Berto, pseudónimo de Alberto
Raposo Pidwell Tavares (Coimbra, 11 de
Janeiro de 1948 — Lisboa, 13 de Junho de 1997), foi um poeta, pintor, editor e animador
cultural português.
Nascido no seio de uma família da alta burguesia (origem
inglesa por parte da avó paterna). Um ano depois foi viver para o Alentejo. O pai
morre cedo, num desastre de viação. Em Sines passa toda a
infância e adolescência, até que a família decide enviá-lo para o
estabelecimento de ensino artístico Escola António Arroio, em
Lisboa.
A 14 de abril de 1967, refratário militar, foi viver para
a Bélgica,
onde estudou pintura na École Nationale Supérieure d’Architecture et des
Arts Visuels (La Cambre), em Bruxelas. Após
concluir o curso, decide abandonar a pintura em 1971 e dedicar-se exclusivamente
à escrita.
Durante esse período viveu numa comunidade de artistas hippies e,
na sequência de uma ligação com uma rapariga belga, teria sido pai de uma
criança.
Regressa a Portugal a 17 de novembro de 1974 e escreve o
primeiro livro inteiramente na língua portuguesa, À Procura do Vento num
Jardim d'Agosto.
O Medo, uma antologia do seu trabalho desde 1974 a 1986, é
editado pela primeira vez em 1987. Este veio a tornar-se no trabalho mais
importante da sua obra e o seu definitivo testemunho artístico, sendo
adicionados em posteriores edições novos escritos do autor, mesmo após a sua
morte.
Deixou ainda textos incompletos para uma ópera, para um
livro de fotografia sobre Portugal e
uma «falsa autobiografia», como o próprio autor a intitulava.
Al Berto morreu em Lisboa, a 13 de Junho de 1997, de linfoma, aos 49
anos.
Em 2009 a Companhia de Teatro O
Bando estreia no Teatro Nacional Dona Maria II, em
Lisboa, um espectáculo intitulado A Noite a partir
de Lunário, Três cartas da memória das Índias, Apresentação da
noite, O Medo, À procura do vento num jardim
d'Agosto e Dispersos. O espectáculo foi encenado por João
Brites e interpretado por Ana Lúcia Palminha e Pedro Gil. Além de
Lisboa, o espectáculo esteve ainda no Teatro da Cerca de São Bernardo em
Coimbra e no espaço d'O Bando.
Fonte: Wikipédia – A enciclopédia livre
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