ESPERANÇA
Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu fi-lo perfeitamente,
Para diante de tudo foi bom
bom de verdade
bem feito de sonho
podia segui-lo como realidade
Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu sei-o de cor.
Até reparo que tenho só esperança
nada mais do que esperança
pura esperança
esperança verdadeira
que engana
e promete
e só promete.
Esperança:
pobre mãe louca
que quer pôr o filho morto de pé?
Esperança
único que eu tenho
não me deixes sem nada
promete
engana
engano que seja
engana
não me deixes sozinho
esperança.
(Almada
Negreiros – 1893-1970)
José Sobral de Almada Negreiros (Trindade, São Tomé e Príncipe, 7 de Abril
de 1893 — Lisboa, 15 de Junho
de 1970) foi um
artista multidisciplinar português que se dedicou fundamentalmente às artes
plásticas (desenho, pintura, etc.) e
à escrita (romance, poesia, ensaio, dramaturgia),
ocupando uma posição central na primeira geração de modernistas portugueses.
Almada Negreiros é uma figura ímpar no panorama artístico
português do século XX. Essencialmente autodidata (não frequentou qualquer
escola de ensino artístico), a sua precocidade levou-o a dedicar-se desde muito
jovem ao desenho de humor. Mas a notoriedade que adquiriu no início de carreira
prende-se acima de tudo com a escrita, interventiva ou literária. Almada teve
um papel particularmente ativo na primeira vanguarda modernista, com importante
contribuição para a dinâmica do grupo ligado à Revista
Orpheu, sendo a sua ação determinante para que essa publicação não se
restringisse à área das letras. Aguerrido, polémico, assumiu um papel central
na dinâmica do futurismo em Portugal: "Se à introversão de Fernando
Pessoa se deve o heroísmo da realização solitária da grande obra que
hoje se reconhece, ao ativismo de Almada deve-se a vibração espetacular do
«futurismo» português e doutras oportunas intervenções públicas, em que era
preciso dar a cara".
Mas a intervenção pública de Almada e a sua obra não
marcaram apenas o primeiro quartel do século XX. Ao contrário de companheiros
próximos como Amadeo de Souza-Cardoso e Santa-Rita, ambos mortos em 1918, a sua
ação prolongou-se ao longo de várias décadas, sobrepondo-se à da segunda e
terceira geração de modernistas. A contundência das suas intervenções iniciais
iria depois abrandar, cedendo o lugar a uma atitude mais lírica e construtiva
que abriu caminho para a sua obra plástica e literária da maturidade. Eduardo Lourenço escreve: "Estranho arco
de vida e arte o que une Almada «Futurista e tudo», Narciso do Egipto da
provocante juventude, ao mago hermético certo de ter encontrado nos anos 40, «a
chave» de si e do mundo no «número imanente do universo»".
Almada é também um caso particular no modo como se
posicionou em termos de carreira artística. Esteve em Paris, como quase todos
os candidatos a artista então faziam, mas fê-lo desfasado dos companheiros de
geração e por um período curto, sem verdadeiramente se entrosar com o meio
artístico parisiense. E se Paris foi para ele pouco mais do que um ponto de
passagem, a sua segunda permanência no estrangeiro revelou-se ainda mais
atípica. Residiu em Madrid durante vários anos e o seu regresso ficou associado
à decisão de se centrar definitiva e exclusivamente em Portugal.
Ao longo da vida empenhou-se numa enorme diversidade de
áreas e meios de expressão – desenho e pintura, ensaio, romance, poesia,
dramaturgia… até o bailado –, que Fernando
de Azevedo classifica de "fulgurante dispersão". Sem se
fixar num domínio único e preciso, o que emerge é sobretudo a imagem do artista
total, inclassificável, onde o todo supera a soma das partes. Também neste
aspeto Almada se diferencia dos seus pares mais notáveis, Amadeo de
Souza-Cardoso e Fernando Pessoa, cuja concentração num território único,
exclusivo, foi condição necessária à realização das obras máximas que nos deixaram
como legado.
Personalidade incontornável, a inserção de Almada Negreiros
na vida e na cultura nacionais é extremamente complexa; segundo José Augusto França, dele fica sobretudo a
imagem de "português sem mestre" e, também, tragicamente, "sem
discípulos".
Sem comentários:
Enviar um comentário