GAIVOTA
Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.
(Alexandre O’neill –
1924-1986)
Alexandre Manuel Vahía
de Castro O'Neill de Bulhões (Nasceu em Lisboa, 19 de Dezembro de 1924 — e faleceu
em Lisboa, 21 de Agosto de 1986) foi um importante
poeta do movimento surrealista português.
Era descendente de irlandeses.
Autodidacta, O’Neill foi um dos fundadores do Movimento
Surrealista de Lisboa. É nesta corrente que publica a sua primeira obra, o
volume de colagens A Ampola Miraculosa, mas o grupo rapidamente se
desdobra e acaba. As influências surrealistas permanecem visíveis nas obras
dele, que além dos livros de poesia incluem prosa, discos de poesia, traduções
e antologias. Não conseguindo viver apenas da sua arte, o autor alargou a sua
acção à publicidade. É da sua autoria o lema publicitário «Há mar
e mar, há ir e voltar». Foi várias vezes preso pela polícia política, a PIDE.
Os começos
Em 1943, com dezassete anos, publicou os primeiros versos
num jornal de Amarante, o Flor do Tâmega. Apesar de ter recebido prémios
literários no Colégio Valsassina, esta actividade não foi grandemente incentivada
pela família.
Datam do ano de 1947 duas cartas de Alexandre O'Neill que
demonstram o seu interesse pelo surrealismo,
dizendo numa delas (de Outubro) possuir já os manifestos de Breton e
a Histoire du Surrealisme de M. Nadeau. Nesse mesmo ano,
O'Neill, Mário Cesariny e Mário Domingues começam a
fazer experiências a nível da linguagem, na linha do surrealismo, sobretudo com
os seus Cadáveres Esquisitos e Diálogos Automáticos, que
conduziam ao desmembramento do sentido lógico dos textos e à pluralidade de sentidos.
Por volta de 1948, fundou o Grupo Surrealista de Lisboa
com Mário Cesariny, José-Augusto França, António Domingues,
Fernando Azevedo, Moniz Pereira, António
Pedro e Vespeira. As primeiras reuniões ocorreram na Pastelaria Mexicana. As posições antineorealistas eram
frontais e provocatórias, tal como as atitudes contra o regime: em Abril, o Grupo
retira a sua colaboração da III Exposição Geral de Artes Plásticas, por recusar
a censura prévia que a comissão organizadora decidira impor. Com a saída de
Cesariny, em Agosto de 1948, o grupo cindiu-se em dois, dando origem ao Grupo
Surrealista Dissidente (que integrou, além do próprio Cesariny, personalidades
como António Maria Lisboa e Pedro Oom).
Em 1949, tiveram lugar as principais manifestações do
movimento surrealista em Portugal, como a Exposição do Grupo Surrealista de
Lisboa (em Janeiro), onde expuseram Alexandre O'Neill, António
Dacosta, António Pedro, Fernando de Azevedo, João Moniz Pereira, José-Augusto França e Vespeira. Nessa
ocasião, Alexandre O'Neill publicou A Ampola Miraculosa como um dos
primeiros números dos Cadernos Surrealistas. A obra, constituída por 15
imagens e respectivas legendas, sem nenhum nexo lógico entre a imagem e
legenda, poderá ser considerada paradigmática do surrealismo português.
A estreia
Depois de uma fase de ataques pessoais entre os dois grupos
surrealistas (1950-52) e a extinção de ambos os grupos, o surrealismo continuou
a manifestar-se na produção individual de alguns autores, incluindo o próprio
Alexandre O'Neill. Em 1951, no "Pequeno Aviso do Autor ao Leitor",
inserido em Tempo de Fantasmas, ele demarcou-se como surrealista. Nessa
mesma obra, sobretudo na primeira parte, Exercícios de
Estilo (1947-49), a influência deste corrente manifesta-se em poemas como
"Diálogos Falhados", "Inventário" ou "A Central das
Frases" e na insistência em motivos comuns a muitos poetas surrealistas,
como a bicicleta e
a máquina de costura.
Política
Neste primeiro livro de poesia inclui o poema que o tornou
célebre, "Um Adeus Português", originado num episódio biográfico que
o próprio viria a contar, muitos anos mais tarde: no início de 1950, estivera
em Lisboa Nora Mitrani, enviada do Surrealismo francês para fazer uma
conferência. Conheceu O’Neill e apaixonaram-se. Meses mais tarde, querendo
juntar-se-lhe em Paris, O’Neill foi chamado à PIDE e
interrogado. Por pressão de uma pessoa da família, foi-lhe negado o passaporte.
Coagido a ficar em Portugal, não voltaria a ver Nora Mitrani.
Não foi, de resto, a única vez que Alexandre O’Neill foi
confrontado com a polícia política. Em 1953, esteve preso vinte e um dias no
Estabelecimento Prisional de Caxias, por ter ido esperar Maria Lamas,
regressada do Congresso Mundial da Paz em Viena. A partir desta data, passou a
ser vigiado pela PIDE. No entanto, sendo um oposicionista, não militou em
nenhum partido político, nem durante o Estado Novo, nem a seguir ao 25 de Abril
– conhece-se-lhe uma breve ligação ao MUD juvenil, na altura em que
abandona o Grupo Surrealista de Lisboa. A partir desta época, O’Neill foi-se
distanciando de grupos ou tertúlias, demasiado irónico e cioso do seu
individualismo para se envolver seriamente em qualquer militância partidária.
A obra literária
Em 1958, com a edição de No Reino da Dinamarca,
Alexandre O’Neill viu-se reconhecido como poeta. Na década de 1960,
provavelmente a mais produtiva literariamente, foi publicando livros de poesia,
antologias de outros poetas e traduções.
A poesia de Alexandre O'Neill concilia uma atitude de vanguarda, (surrealismo e
experiências próximas do concretismo) — que se manifesta no carácter lúdico do seu
jogo com as palavras, no seu bestiário, que evidencia o lado surreal do real,
ou nos típicos «inventários» surrealistas — com a influência da tradição
literária (de autores como Nicolau Tolentino e o abade
de Jazente, por exemplo).
Os seus textos caracterizam-se por uma intensa sátira
a Portugal e
aos portugueses, destruindo a imagem de um proletariado heróico
criada pelo neorealismo, a que contrapõe a vida mesquinha, a dor do
quotidiano, vista no entanto sem dramatismos, ironicamente, numa alternância
entre a constatação do absurdo da vida e o humor como única forma de se lhe
opor.
Temas como a solidão,
o amor, o sonho, a passagem
do tempo ou
a morte,
conduzem ao medo
(veja-se "O Poema Pouco Original do Medo", com a sua figuração
simbólica do rato) e/ou à revolta, de que o homem só poderá libertar-se através
do humor, contrabalançado por vezes por um tom discretamente sentimental,
revelador de um certo desespero perante o marasmo do país — "meu remorso,
meu remorso de todos nós". Este humor é, muitas vezes, manifestado numa
linguagem que parodia discursos estereotipados, como os discursos oficiais ou
publicitários, ou que reflecte a própria organização social, pela integração
nela operada do calão, da gíria, de lugares-comuns pequeno-burgueses, de onomatopeias ou
de neologismos
inventados pelo autor.
A vida privada e
profissional
Alexandre O’Neill, apesar de nunca ter sido um escritor
profissional, viveu sempre da sua escrita ou de trabalhos relacionados com
livros. Em 1946, tornou-se escriturário, na Caixa de Previdência dos
Profissionais do Comércio. Permaneceu neste emprego até 1952. A partir de 1957,
começou a escrever para os jornais, primeiro esporadicamente, depois, nas
décadas seguintes, assinando colunas regulares no Diário de Lisboa, n’A Capital e,
nos anos 1980, no Jornal de Letras, escrevendo indiferentemente
prosa e poesia, que reeditava mais tarde em livro, à maneira dos folhetinistas
do século XIX.
Em 1959 iniciou-se como redactor de publicidade, actividade que se
tornaria definitivamente o seu ganha-pão. Ficaram famosos no meio alguns
slogans publicitários da sua autoria, e um houve que se converteu em provérbio:
"Há mar e mar, há ir e voltar". Tinha entretanto abandonado
definitivamente a casa dos pais, casando com Noémia
Delgado, de quem teve um filho, Alexandre. Nesta época, instalou-se
no Príncipe Real, bairro lisboeta onde haveria de
decorrer grande parte da sua vida, e que levaria para a sua escrita. Neste
bairro, encontraria Pamela Ineichen, com quem manteve uma relação amorosa
durante a década de 1960. Mais tarde, em 1971, casará com Teresa
Gouveia, mãe do seu segundo filho, Afonso, nascido em 1976.
Fez ainda parte da redacção da revista Almanaque (1959-61), publicação arrojada com
grafismo de Sebastião Rodrigues onde colaboravam,
entre outros, José Cardoso Pires, Luís de Sttau Monteiro, Augusto
Abelaira e João
Abel Manta.
A sua atracção por outros meios de comunicação, que não a
palavra escrita, é testemunhada pela letra do fado "Gaivota"
destinada à voz de Amália, com música de Alain
Oulman, tal como a colaboração, nos anos 1970, em programas televisivos
(fora, aliás, crítico de televisão sob o pseudónimo de A. Jazente), ou em
guiões de filmes e
em peças de teatro.
Em 1982 recebeu o prémio da Associação de Críticos Literários.
Mas a doença começava a atormentá-lo. Em 1976, sofre
um ataque cardíaco, que o poeta admitiu dever-se à
vida desregrada que sempre tinha sido a sua, e que, apesar de algum esforço em
contrário, continuou a ser.
No início dos anos 1980, já divorciado de Teresa Gouveia,
repartia o seu tempo entre a casa da Rua da Escola Politécnica e a vila
de Constância. Em 1984, sofreu um acidente vascular cerebral,
antecipatório daquele que, em Abril de 1986, o levaria ao internamento
prolongado no hospital.
Alexandre O'Neill morreu em Lisboa a 21 de Agosto de 1986
A 10 de Junho de 1990, a título póstumo, foi feito
Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da
Espada.
Fonte: Wikipédia – A enciclopédia livre
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