segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Poesia de… Ary dos Santos



Poeta castrado não!

Serei tudo o que disserem 
por inveja ou negação:
 
cabeçudo dromedário
 
fogueira de exibição
 
teorema corolário
 
poema de mão em mão
 
lãzudo publicitário
 
malabarista cabrão.
 
Serei tudo o que disserem:
 
Poeta castrado não!
 

Os que entendem como eu
 
as linhas com que me escrevo
 
reconhecem o que é meu
 
em tudo quanto lhes devo:
 
ternura como já disse
 
sempre que faço um poema;
 
saudade que se partisse
 
me alagaria de pena;
 
e também uma alegria
 
uma coragem serena
 
em renegar a poesia
 
quando ela nos envenena.
 

Os que entendem como eu
 
a força que tem um verso
 
reconhecem o que é seu
 
quando lhes mostro o reverso:
 

Da fome já não se fala
 
- é tão vulgar que nos cansa -
 
mas que dizer de uma bala
 
num esqueleto de criança?
 

Do frio não reza a história
 
- a morte é branda e letal -
 
mas que dizer da memória
 
de uma bomba de napalm?
 

E o resto que pode ser
 
o poema dia a dia?
 
- Um bisturi a crescer
 
nas coxas de uma judia;
 
um filho que vai nascer
 
parido por asfixia?!
 
- Ah não me venham dizer
 
que é fonética a poesia!
 

Serei tudo o que disserem
 
por temor ou negação:
 
Demagogo mau profeta
 
falso médico ladrão
 
prostituta proxeneta
 
espoleta televisão.
 
Serei tudo o que disserem:
 
Poeta castrado não!


(José Carlos Ary dos Santos – 1937-1984)





José Carlos Pereira Ary dos Santos (Lisboa, 7 de Dezembro de 1937 — Lisboa, 18 de Janeiro de 1984) foi um poeta e declamador português

Ficou na História da música portuguesa por ter escrito poemas de 4 canções vencedoras do Festival Eurovisão da Canção: Desfolhada Portuguesa (1969), com interpretação de Simone de Oliveira, Menina do Alto da Serra (1971), interpretada por Tonicha, Tourada (1973), interpretada por Fernando Tordo e Portugal no Coração (1977), interpretada pelo grupo Os Amigos.

Com Fernando Tordo escreve mais de 100 poemas para canções do músico e o duo Tordo/Ary continua a ser, até hoje, um dos mais profícuos da História da Música Portuguesa. São de suas autorias canções intemporáis como Tourada, Estrela da Tarde, Cavalo à Solta, O amigo que eu canto, Café, Dizer Que Sim à Vida e Rock Chock. Estas canções foram interpretadas por cantores como Fernando Tordo, Carlos do Carmo, Mariza, Amália Rodrigues, Mafalda Arnauth e Paulo de Carvalho.

Biografia

Proveniente de uma família da alta burguesia, com antepassados aristocratas, era filho do médico Carlos Ary dos Santos (1905-1957) e de Maria Bárbara de Miranda e Castro Pereira da Silva (1899-1950).

Estudou no Colégio de São João de Brito, em Lisboa, onde foi um dos primeiros alunos. Após a morte da mãe, vê publicados, pela mão de vários familiares, alguns dos seus poemas. Tinha catorze anos e viria, mais tarde, a rejeitar esse livro. Ary dos Santos revelaria, verdadeiramente, as suas qualidades poéticas em 1954, com dezasseis anos de idade. Várias poesias suas integraram então a Antologia do Prémio Almeida Garrett.

Pela mesma altura, Ary, incompatibilizado com o pai, abandona a casa da família. Para seu sustento económico exerce as mais variadas actividades, que passariam pela venda de máquinas para pastilhas elásticas, até ao trabalho numa empresa de publicidade. Não cessa de escrever e, entretanto, dá-se a sua estreia literária efetiva, com a publicação de A Liturgia do Sangue (1963). Em 1969 adere ao Partido Comunista Português, com qual participa activamente nas sessões de poesia do então intitulado Canto Livre Perseguido.

Através da música chegará ao grande público, concorrendo, por mais que uma vez, ao Festival RTP da Canção, sob pseudónimo, como exigia o regulamento. Classificar-se-ia em primeiro lugar com as canções Desfolhada Portuguesa (1969), com interpretação de Simone de Oliveira, Menina do Alto da Serra (1971), interpretada por Tonicha, Tourada (1973), interpretada por Fernando Tordo e Portugal no Coração (1977), interpretada pelo grupo Os Amigos.

Com Fernando Tordo escreve mais de 100 poemas para canções do músico e o duo Tordo/Ary continua a ser, até hoje, um dos mais profícuos da História da Música Portuguesa. São de suas autorias canções intemporáis como Tourada, Estrela da Tarde, Cavalo à Solta, Lisboa Menina e Moça, O amigo que eu canto, Café, Dizer Que Sim à Vida e Rock Chock. Estas canções foram interpretadas por cantores como Fernando Tordo, Carlos do Carmo, Mariza, Amália Rodrigues, Mafalda Arnauth e Paulo de Carvalho.

Após o 25 de Abril, torna-se um activo dinamizador cultural da esquerda, percorrendo o país de lés a lés. No Verão Quente de 1975, juntamente com militantes da UDP e de outras forças radicais, envolve-se no assalto à Embaixada de Espanha, em Lisboa.

Autor de mais de seiscentos poemas para canções, Ary dos Santos fez no meio muitos amigos. Gravou, ele próprio, textos ou poemas de e com muitos outros autores e intérpretes. Notabilizou-se também como declamador, tendo gravado um duplo álbum contendo O Sermão de Santo António aos Peixes, do Padre António Vieira. À data da sua morte tinha em preparação um livro de poemas intitulado As Palavras das Cantigas, onde era seu propósito reunir os melhores poemas dos últimos quinze anos, e um outro intitulado Estrada da Luz - Rua da Saudade, que pretendia ser uma autobiografia romanceada

Homem de forte personalidade e de apetites excessivos, grande fumador e bebedor, acabaria por adoecer de cirrose, vindo a morrer a 18 de Janeiro de 1984. O seu nome foi dado a um largo do Bairro de Alfama, descerrando-se uma lápide evocativa na fachada da sua casa, na Rua da Saudade, onde viveu praticamente toda a sua vida. Ainda em 1984 foi lançada a obra VIII Sonetos de Ary dos Santos, com um estudo sobre o autor de Manuel Gusmão e planeamento gráfico de Rogério Ribeiro, no decorrer de uma sessão na Sociedade Portuguesa de Autores, da qual o autor era membro. Em 1988, Fernando Tordo editou o disco O Menino Ary dos Santos, com os poemas escritos por Ary dos Santos na sua infância. Em 2009, Mafalda Arnauth, Susana Félix, Viviane e Luanda Cozetti dão voz ao álbum de tributo Rua da Saudade - canções de Ary dos Santos.

Hoje, o poeta do povo é reconhecido por todos e todos conhecem José Carlos Ary dos Santos, pois a sua obra permanece na memória de todos e, estranhamente, muitos dos seus poemas continuam actualizados. Todos os grandes cantores o interpretaram e ainda hoje surgem boas vozes a cantá-lo na perfeição. Desde Fernando Tordo, Simone de Oliveira, Tonicha, Paulo de Carvalho, Carlos do Carmo, Amália Rodrigues, Maria Armanda, Teresa Silva Carvalho, Vasco Rafael, entre outros, até aos mais recentes como Susana Félix, Viviane, Mário Barradas, Vanessa Silva e Katia Guerreiro.

A 4 de Outubro de 2004 foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique a título póstumo.


Fonte: Wikipédia – A enciclopédia livre


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