Já Bocage não sou!... À
cova escura
(Ditado entre as agonias do seu trânsito final)
Já Bocage não
sou!... À cova escura
Meu estro vai
parar desfeito em vento...
Eu aos céus
ultrajei! O meu tormento
Leve me torne
sempre a terra dura.
Conheço agora
já quão vã figura
Em prosa e
verso fez meu louco intento.
Musa!...
Tivera algum merecimento,
Se um raio da
razão seguisse, pura!
Eu me
arrependo; a língua quase fria
Brade em alto
pregão à mocidade,
Que atrás do
som fantástico corria:
Outro Aretino
fui... A santidade
Manchei!...
Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus
versos, crê na eternidade!
(Bocage
– 1765-1805)
Os sinais da doença que acabou por vitimar Bocage começaram
a manifestar-se no início de 1804. Debilitado, o poeta foi perdendo o alento
pelo trabalho. Aos 40 anos, a 21 de dezembro de 1805, morreu na casa onde
vivia, em Lisboa.
Segundo o biógrafo Gomes Monteiro, foi em 1804 que Bocage
começou a sentir os primeiros sintomas da doença que o levaria a uma morte
precoce. Supõe-se que o poeta começasse a sentir fortes dores de cabeça e não
tivesse a mesma desenvoltura para percorrer as ruas do Chiado e do Bairro Alto.
O seu médico, Manuel Joaquim de Oliveira, não demonstrava
qualquer esperança numa cura. Talvez os primeiros sinais da doença estivessem
já relacionados com a semana que Bocage passou, em 1799, no Hospital Real de
São José, sem indicação sobre os motivos do internamento.
Em 1804, o rasto de Bocage perdeu-se, talvez devido ao
desalento provocado pela doença, um aneurisma nas carótidas. Só voltou a ser
falado no início do ano seguinte, quando foi levada à cena, no Teatro do
Salitre, o drama para música “A Virtude Laureada”, escrito pelo poeta.
Esta peça – em que as personagens eram entidades alegóricas,
como a Ciência, a Libertinagem, a Polícia e o Génio Lusitano – terá sido
encomendada a Bocage por Pina Manique, também doente na altura. No entanto, já
sem o poder de outrora e preocupado em manter o cargo de intendente que ainda
ocupava, Pina Manique, confrontado com o conteúdo da peça, mandou-a retirar de
cena, a 14 de janeiro.
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