DUAS OPINIÕES
Introdução
Um Autocaravanista colocou no Fórum do CampingCar Portugal, em 15 de outubro de 2014,
uma opinião subordinada ao tema “As nossas leis” que, para memória futura (e
não só), considerei que seria importante reflectir sobre a mesma,
até porque, a opinião desse Autocaravanista, representa, suponho, um extracto do
pensamento de alguns autocaravanistas.
A ideia da unidade
(sem se definir em torno de que objectivos) e a fé de que é através de legislação
que se irá conseguir obstaculizar a discriminação negativa do veículo autocarava,
tem algumas raízes que nem a experiência, nem a correlação social e política
das forças e eventuais interesses em presença, garantem.
Porque considero que
o contraditório é um dos fundamentos não só do exercício da democracia, como
também da reflexão que se deve aprofundar com vista a novos horizontes, não
hesitei em responder às considerações na convicção de que este Companheiro Autocaravanista exprimiu os respectivos pontos de vista de forma honesta, solidária e convicto de que tinha razão.
A minha resposta foi estruturada de forma a que houvesse uma noção dos princípios que estavam (e estão) em causa e faço votos para que a forma como aqui a apresento seja compreensível para o esclarecimento dos temas.
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Companheiro
Autocaravanista,
Não o quis deixar a “falar” no deserto porque me parece,
pelo que escreve, pessoa bem-intencionada.
Agradeço a referência que me faz, mas permito-me esclarecer
que não estou fazendo nenhuma “cruzada em
isolamento”, não obstante compreender que a utilização desta sua
expressão não é pejorativa, antes pelo contrário.
O seu texto mistura conceitos pelo que me permito
sistematizá-lo através da forma como o comento e solicitando-lhe que não veja
nas minhas opiniões mais do que isso: opiniões.
1º -
“Assembleia aprovou o Decreto
Lei 310/02 de 18/12/2002 e as autarquias do país, aperfilharam-na como uma mais
valia ( e única ) para disciplinar o autocaravanismo e de caminho,
representatividade e interesses económicos (nunca revelados) e prato de lentilhas
(como se diz agora) à defesa dos seus munícipes.”
A Assembleia da República não aprova Decretos-Lei. Os
Decretos-Lei são aprovados pelo Governo. A Assembleia da República aprova Leis.
Ambos têm idêntica força legal e a diferenciação na denominação tem apenas a
ver com a entidade de que emanam.
No caso concreto este Decreto-Lei não se destina a legislar
acerca da actividade autocaravanista. Aliás, não conheço nenhuma legislação
(excepto posturas municipais e Resoluções do Conselho de Ministros) que faça
qualquer enquadramento legal do autocaravanismo.
Este Decreto-lei apenas transfere competências dos governos
civis para as Câmaras Municipais em matéria de licenciamento de diversas actividades,
entre as quais se conta a permissão da realização de “acampamentos ocasionais”.
Não existe, no teor do Decreto-Lei, no que se refere ao Autocaravanismo,
qualquer referência. E, muito menos, a interpretação de que o facto de uma
autocaravana estar estacionada pressupõe que está acampada. Esta interpretação,
quando é feita, é abusiva. Daí a importância de uma autocaravana quando estiver
estacionada na via pública não ocupar um espaço superior ao perímetro da mesma,
porque, em tribunal, essa evidência pode fazer a diferença.
2º -
“Podemos optar através da
petição pública, requerer a 1ª. emenda ao Dec.Lei 310/02 de 18/12.”
Que emenda? Este Decreto-Lei não legisla sobre
autocaravanismo. Legisla sobre licenciamentos, entre os quais se contam os
“Acampamentos Ocasionais”. Na prática vem proibir que se acampe fora de locais
permitidos (como são os Parques de Campismo e os Parques de Campismo exclusivos
de Autocaravanas) sem uma autorização prévia das Câmaras Municipais e com
pareceres favoráveis de mais duas entidades relacionadas respectivamente com a
saúde e com a segurança.
Que emenda queremos fazer? Que não sejam as Câmaras a
Licenciar os Acampamentos Ocasionais? Ou que não devem haver Acampamentos
Ocasionais?
Este Decreto-lei não se aplica às autocaravanas que não
estejam acampadas.
3º -
“Que fique bem clara a minha
posição - A Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal "nunca poderá
servir bem dois patrões" portanto, irrelevante quer por mudança de
estatutos ou pintar-se de outra côr...”
Que fique também bem clara a minha posição.
A Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal tem sido a
entidade com prestígio e a quem as entidades públicas têm a obrigação legal de
consultarem sobre as matérias que os respectivos estatutos abrangem e que desde
2010 subscreveu publicamente a “Declaração de Princípios”, que define
politicamente o que é Acampar e Estacionar em Autocaravana, federação que
interveio nesta perspectiva junto de várias entidades, nomeadamente junto da
Assembleia da República, que emitiu publicamente um parecer jurídico acerca do
direito das autocaravanas de estacionarem na via pública em igualdade de circunstâncias
com qualquer outro veículo de igual gabarito, que já promoveu 2 colóquios sobre
autocaravanismo, que conjuntamente com a “Associação Autocaravanista de
Portugal – CPA” propôs à Federação Internacional de Campismo, Caravanismo e
Autocaravanismo a subscrição da “Declaração de Princípios”, o que veio a ser
aceite pela FICC e, recentemente, veio reconhecer estatuariamente o
Autocaravanismo como uma modalidade independente, além de já ter instituído
juridicamente uma Comissão de Autocaravanismo.
Gostaria de ser esclarecido dos nomes de outras entidades,
como esta, que com mais de 450 associações federadas, já vieram publicamente
assumir, pelo menos, o que acima refiro. A FPA? Nem um único texto sobre esta
matéria. E a Federação Internacional de Autocaravanas (FICM) em que a FPA se
insere, em algum local, por escrito, já assumiu o direito das autocaravanas a
não serem discriminadas?
Mas, já antes de 2010, salvo erro em 2002, a Federação de
Campismo e Montanhismo de Portugal apresentou uma proposta de Projecto Lei na
Assembleia da República em que, no essencial, era definido o que se entendia
por Acampar e Estacionar em Autocaravana, proposta a que a Assembleia, no
imediato não deu seguimento e que, anos mais tarde, pela mão de dois deputados,
foi presente na Assembleia da República discriminando as autocaravanas. A
Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal não sancionou o Projecto Lei
desses dois deputados, mas a FPA veio lastimar, primeiro, que não tenha sido
aprovado e, posteriormente, congratular-se com não ter sido aprovado. É este
tipo de actuação que promove a credibilidade de uma instituição?
A Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal tem uma
máquina pesada, mas, pelo menos desde 2010, tem vindo a dar provas que defende
o autocaravanismo.
4º -
“O que eu pretendo pedir-lhes,
companheiros, meus senhores, é que acedam com a vossa presença a
encontrarmo-nos para entendimento quanto às diligências a efectuar para que a
Lei seja, tanto quanto possível, abrangente das particularidades da nossa
autonomia.”
Acredito que existe sinceridade neste pedido, mas também
muito irrealismo.
As questões não se definem em termos individuais, mas sim em
termos institucionais.
Enquanto individuo posso debruçar-me sobre a temática
autocaravanista, posso, através de argumentação influenciar algumas
consciências, mas não tenho nem representação, nem capacidade institucional
para ser ouvido junto de outros poderes.
Faria um mau serviço ao autocaravanismo se aceitasse que a
capacidade de decisão fosse transferida das instituições juridicamente
existentes para o individuo isoladamente considerado. Quem pretender intervir
no âmbito do autocaravanismo deve intervir nas associações relacionadas com o
autocaravanismo, para que sejam as mesmas a defender uma política
autocaravanista, conforme a vontade dos respectivos associados. Ou então para
que servem as associações?
Em termos pessoais tenho defendido que se deve realizar
reuniões de entidades associativas, com capacidade jurídica, para, sem ordem de
trabalhos, analisarem o “estado da arte”.
Mas, note-se, também defendo que deve haver à partida o
compromisso pelo respeito e "subscrição" do texto da “Declaração de Princípios”.
Nada obsta, no entanto, que as associações promovam um
Debate aberto a todos os autocaravanistas sobre algumas matérias.
Por outro lado apresenta como objectivo da reunião um
entendimento quanto a diligências para que haja uma lei autocaravanista. Esse
entendimento, a necessidade de uma Lei autocaravanista, para mim, não é aceitável
por razões que já várias vezes exprimi e que se encontram bem definidas em
escritos constantes do meu Blogue “Papa Léguas Portugal”.
5º -
“UNIDOS, alcançaremos êxito nas
nossas pretensões, desavindos, continuaremos a "pregar no deserto"”
Não me considero desavindo com ninguém em termos pessoais,
mas não julgo que a “unidade” seja possível quando as “nossas pretensões” não
forem “nossas”.
Não acredito, nem quero responsabilizar-me pela apresentação
de uma lei que abra as portas a legislação que venha a discriminar
negativamente o veículo autocaravana e não estarei de acordo com uma Lei que só
permita o estacionamento de uma autocaravana por um período de 48 horas (como
pretende, e é público, a FPA) enquanto outros veículos de igual gabarito podem
estar estacionados até 30 dias.
E sobre este tipo discriminação proposto em comunicado pela
FPA nunca a Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal veio propor uma
semelhante aberração.
Muito mais haveria para dizer, mas suponho ter sido
suficientemente claro e não me ter afastado do teor do seu texto.
Volto a repetir que a minha intervenção não pretende ser uma
crítica pessoal, mas tão-somente uma análise e contestação às ideias
subjacentes ao seu texto.
Saudações Autocaravanistas
Parar. Parar não paro.
Se a coerência custa caro,
Eu pago o preço.
(Citação livre de Sidónio Muralha)
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(O autor, todas as Quintas-feiras, no Blogue do
Papa Léguas Portugal, emite uma opinião sobre assuntos relacionados com o
autocaravanismo (e não só) – AQUI)