Dies Irae
(Dia da Ira)
Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.
Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.
Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.
Oh! maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!
(Miguel Torga – 1907-1995)
Adolfo Correia da Rocha, é o nome de Miguel Torga. Este
escritor nasceu em São Martinho de Anta, a 12 de
Agosto de 1907 e
morreu em Coimbra a 17 de
Janeiro de 1995 com 87 anos.
Miguel Torga, o seu pseudónimo, foi um dos poetas e
escritores portugueses mais influentes do século XX.
Destacou-se como poeta, contista e memorialista, mas
escreveu também romances, peças de teatro e ensaios.
Em 1934, aos 27 anos, Adolfo Correia Rocha cria o pseudónimo
"Miguel" e "Torga". Miguel, em homenagem a dois grandes
vultos da cultura ibérica: Miguel de Cervantes e Miguel
de Unamuno. Já Torga é uma planta brava da montanha, que deita raízes
fortes sob a aridez da rocha, de flor branca, arroxeada ou cor de vinho, com um
caule incrivelmente rectilíneo.
A obra de Torga tem um carácter humanista: criado nas serras
transmontanas, entre os trabalhadores rurais, assistindo aos ciclos de
perpetuação da natureza, Torga aprendeu o valor de cada homem, como criador e
propagador da vida e da natureza: sem o homem, não haveria searas, não haveria
vinhas, não haveria toda a paisagem duriense, feita de socalcos nas rochas,
obra magnífica de muitas gerações de trabalho humano. Ora, estes homens e as
suas obras levam Torga a revoltar-se contra a Divindade Transcendente a favor
da imanência: para ele, só a humanidade seria digna de louvores, de cânticos,
de admiração: (hinos aos deuses, não/os homens é que merecem/que se lhes cante
a virtude/bichos que cavam no chão/actuam como parecem/sem um disfarce que os
mude).
Para Miguel Torga, nenhum deus é digno de louvor: na sua
condição omnisciente é-lhe muito fácil ser virtuoso, e enquanto ser
sobrenatural não se lhe opõe qualquer dificuldade para fazer a natureza - mas o
homem, limitado, finito, condicionado, exposto à doença, à miséria, à desgraça
e à morte é também capaz de criar, e é sobretudo capaz de se impor à natureza,
como os trabalhadores rurais transmontanos impuseram a sua vontade de semear a
terra aos penedos bravios das serras. E é essa capacidade de moldar o meio, de
verdadeiramente fazer a natureza, mal-grado todas as limitações de bicho, de
ser humano mortal que, ao ver de Torga, fazem do homem único ser digno de
adoração.
Fonte: Wikipédia –
A enciclopédia livre
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