quinta-feira, 13 de março de 2014

Liberdade e Autocaravanismo (I)


A LIBERDADE
(e a “expulsão” de autocaravanistas em Silves (2014-02-21) – Parte I)


Muitas vezes, direi mesmo quase sempre, quando se questiona um utilizador de uma autocaravana sobre o que mais o atrai no autocaravanismo, a resposta mais vezes expressa relaciona-se com o conceito de LIBERDADE.

Liberdade de viajar, liberdade de estacionar, liberdade de pernoitar, liberdade de usar a autocaravana ao belo prazer de quem a utiliza.

Mas saberão os utilizadores de autocaravanas o que é a liberdade? Ou as liberdades?

Principiemos por tomar conhecimento de alguns conceitos de liberdade apresentados por quem sobre o assunto refletiu:


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Para Descartes, age com mais liberdade quem melhor compreende as alternativas que precedem à escolha. Dessa premissa decorre o silogismo lógico de que quanto mais evidente a veracidade de uma alternativa, maiores possibilidades dela ser escolhida pelo agente.

Nesse sentido, a inexistência de acesso à informação afigura-se enquanto óbice a identificação da alternativa com maior grau de veracidade.

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Para Spinoza, a liberdade possui um elemento de identificação com a natureza do "ser". Nesse sentido ser livre significa agir de acordo com a sua natureza.

Diretamente associada à ideia de liberdade, está a noção de responsabilidade, uma vez que o ato de ser livre implica assumir o conjunto dos nossos atos e saber responder por eles.

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Para Schopenhauer, a ação humana não é absolutamente livre. Todo o agir humano, bem como todos os fenômenos da natureza, até mesmo suas leis, são níveis de objetivação da coisa-em-si kantiana que o filósofo identifica como sendo puramente Vontade.

O homem, objeto entre objetos, coisa entre coisas, não possui liberdade de ação porque não é livre para deliberar sobre a sua vontade. O homem não escolhe o que deseja, o que quer. Logo, não é livre - é absolutamente determinado a agir segundo a sua vontade particular, objetivação da vontade metafísica por trás de todos os eventos naturais. O que parece deliberação é uma ilusão ocasionada pela mera consciência sobre os próprios desejos. É poder viver sem ninguém mandar.

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Para Jean-Paul Sartre, a liberdade é a condição ontológica do ser humano. O homem é antes de tudo livre.

Sua tese é: a liberdade é absoluta ou não existe. Sartre recusa todo o determinismo e mesmo qualquer forma de condicionamento. Assim, ele recusa Deus e inverte a tese de Lutero; para este, a liberdade não existe justamente porque Deus tudo sabe e tudo prevê. Mas como deus não existe, a liberdade é absoluta. E recusa também o determinismo materialista: se tudo se reduzisse à matéria, não haveria consciência e não haveria liberdade. Qual é, então, o fundamento da liberdade? É o nada, o indeterminismo absoluto.

A liberdade humana revela-se na angústia. O homem angustia-se diante de sua condenação à liberdade. O homem só não é livre para não ser livre, está condenado a fazer escolhas e a responsabilidade de suas escolhas é tão opressiva, que surgem escapatórias através das atitudes e paradigmas de má-fé, onde o homem aliena-se de sua própria liberdade, mentindo para si mesmo através de condutas e ideologias que o isentem da responsabilidade sobre as próprias decisões.

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Marx diz que as várias liberdades parciais que existem no capitalismo - por exemplo, a liberdade econômica (de comprar e vender mercadorias), a liberdade de expressão ou a liberdade política (decidir quem governa) - pressupõem que a separação dos homens com relação as suas condições de existência seja mantida, pois, caso essa separação seja atacada pelos homens em busca de sua liberdade material fundamental, todas essas liberdades parciais são suspensas (ditadura) para restabelecer o capitalismo. Mas se a luta dos indivíduos privados de suas condições de existência (proletários) tiver êxito e se eles conseguirem abolir a propriedade privada dessas condições, seria instaurado o comunismo, que ele entende como a associação livre dos produtores.

Para ele, não há liberdade sem o mundo material no qual os indivíduos manifestam na prática a sua liberdade junto com outras pessoas, em que transformam as suas circunstâncias objetivas de modo a criar o mundo objetivo de suas faculdades, sentidos e aptidões. Ou seja, a liberdade humana só pode ser encontrada de fato pelos indivíduos na produção prática das suas próprias condições materiais de existência.

Desse modo, se os indivíduos são privados de suas próprias condições materiais de existência, isto é, se as suas condições objetivas de existência são propriedade privada  (de outra pessoa, portanto), não há verdadeira liberdade, e a sociedade se divide em proletários e capitalistas. Sob o domínio do capital, a manifestação prática da vida humana, a atividade produtiva, se torna coerção, trabalho assalariado; as faculdades, habilidades e aptidões humanas se tornam mercadoria, força de trabalho, que é vendida no mercado de trabalho, e a vida humana se reduz à mera sobrevivência.

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Bakunin não se referia a um ideal abstrato de liberdade, mas a uma realidade concreta baseada na liberdade simétrica de outros. Liberdade consiste no "desenvolvimento pleno de todas as faculdades e poderes de cada ser humano, pela educação, pelo treinamento científico, e pela prosperidade material." Tal concepção de liberdade é "eminentemente social, porque só pode ser concretizada em sociedade," não em isolamento. Em um sentido negativo, liberdade é "a revolta do indivíduo contra todo tipo de autoridade, divina, coletiva ou individual."

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Fontes: Wikipédia – A enciclopédia livre

Neste momento, depois deste entediante banho de cultura (enlatada), é minha convicção que uma esmagadora maioria dos autocaravanistas do “Porco no Espeto” há muito que deixaram de ler este texto. É pena! Para muitos desses nossos companheiros autocaravanistas só ações exclusivamente coercivas os “motivarão” a respeitar a liberdade de todos.

Não é obrigatório que estejamos de acordo com todos os conceitos acima expressos, podendo mesmo estarmos em desacordo com todos. Teremos, no entanto, que assumir que se quisermos viver em sociedade qualquer conceito de liberdade tem que respeitar o outro ou, melhor dizendo, a liberdade a que o outro também tem direito. Tenhamos também consciência, quer consideremos filosoficamente que o homem é, ou não é, livre, que a vida em sociedade impõe a existência de regras, aceites pela maioria e no respeito pelos direitos fundamentais de todos. E quem as não cumprir, as regras, deve ser penalizado.

Convenhamos, então, que a liberdade não é um conceito abstrato. Assim sendo, impõe-se perguntar aos autocaravanistas (não aos utilizadores de autocaravanas):

Qual o âmbito de liberdade que o autocaravanismo deve ter nas sociedades atuais para prevenir conflitos desnecessários? Permitir que acampem na via pública? Cercear direitos às autocaravanas (discriminação negativa) comparativamente com os direitos de outros veículos de igual gabarito? Aplaudir ou criticar a recente expulsão de autocaravanas em Silves?

Deixo-vos com estas reflecções que pretendem ser tão-somente uma introdução à análise da “expulsão” de autocaravanistas verificada em Silves a 21 de fevereiro deste ano (ver AQUI) e cujos poucos comentários entretanto feitos não souberam (ou não quiseram) extrapolar para além do acontecimento local, nem mesmo relacioná-los com as proibições existentes em Quarteira (ver AQUI).

Voltarei a este tema.


(O autor, todas as Quintas-feiras, no Blogue do Papa Léguas Portugal, emite uma opinião sobre assuntos relacionados com o autocaravanismo (e não só) –  AQUI)


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