A LIBERDADE
(e a “expulsão” de
autocaravanistas em Silves (2014-02-21) – Parte I)
Muitas vezes, direi mesmo quase sempre, quando se questiona
um utilizador de uma autocaravana sobre o que mais o atrai no autocaravanismo,
a resposta mais vezes expressa relaciona-se com o conceito de LIBERDADE.
Liberdade de viajar, liberdade de estacionar, liberdade de
pernoitar, liberdade de usar a autocaravana ao belo prazer de quem a utiliza.
Mas saberão os utilizadores de autocaravanas o que é a
liberdade? Ou as liberdades?
Principiemos por tomar conhecimento de alguns conceitos de
liberdade apresentados por quem sobre o assunto refletiu:
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Para Descartes,
age com mais liberdade quem melhor compreende as alternativas que precedem à
escolha. Dessa premissa decorre o silogismo lógico de que quanto mais evidente
a veracidade de uma alternativa, maiores possibilidades dela ser escolhida pelo
agente.
Nesse sentido, a inexistência de acesso à informação
afigura-se enquanto óbice a identificação da alternativa com maior grau de veracidade.
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Para Spinoza,
a liberdade possui um elemento de identificação com a natureza do
"ser". Nesse sentido ser livre significa agir de acordo com a sua
natureza.
Diretamente associada à ideia de liberdade, está a noção de
responsabilidade, uma vez que o ato de ser livre implica assumir o conjunto dos
nossos atos e saber responder por eles.
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Para Schopenhauer,
a ação humana não é absolutamente livre. Todo o agir humano, bem como todos os
fenômenos da natureza, até mesmo suas leis, são níveis de objetivação da
coisa-em-si kantiana que o filósofo identifica como sendo
puramente Vontade.
O homem, objeto entre objetos, coisa entre coisas, não
possui liberdade de ação porque não é livre para deliberar sobre a sua vontade.
O homem não escolhe o que deseja, o que quer. Logo, não é livre - é
absolutamente determinado a agir segundo a sua vontade particular, objetivação
da vontade metafísica por trás de todos os eventos naturais. O que parece
deliberação é uma ilusão ocasionada pela mera consciência sobre os próprios
desejos. É poder viver sem ninguém mandar.
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Para Jean-Paul
Sartre, a liberdade é a condição ontológica do ser humano. O homem é antes
de tudo livre.
Sua tese é: a liberdade é absoluta ou não existe. Sartre
recusa todo o determinismo e mesmo qualquer forma de condicionamento. Assim,
ele recusa Deus e inverte a tese de Lutero; para este, a liberdade não
existe justamente porque Deus tudo sabe e tudo prevê. Mas como deus não existe,
a liberdade é absoluta. E recusa também o determinismo materialista:
se tudo se reduzisse à matéria, não haveria consciência e não haveria
liberdade. Qual é, então, o fundamento da liberdade? É o nada, o indeterminismo
absoluto.
A liberdade humana revela-se na angústia. O homem
angustia-se diante de sua condenação à liberdade. O homem só não é livre para
não ser livre, está condenado a fazer escolhas e a responsabilidade de suas
escolhas é tão opressiva, que surgem escapatórias através das atitudes e
paradigmas de má-fé, onde o homem aliena-se de sua própria liberdade, mentindo
para si mesmo através de condutas e ideologias que o isentem da
responsabilidade sobre as próprias decisões.
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Marx diz que as
várias liberdades parciais que existem no capitalismo - por exemplo, a
liberdade econômica (de comprar e vender mercadorias), a liberdade de expressão
ou a liberdade política (decidir quem governa) - pressupõem que a separação dos
homens com relação as suas condições de existência seja mantida, pois, caso
essa separação seja atacada pelos homens em busca de sua liberdade material
fundamental, todas essas liberdades parciais são suspensas (ditadura) para
restabelecer o capitalismo. Mas se a luta dos indivíduos privados de suas
condições de existência (proletários) tiver êxito e se eles conseguirem abolir
a propriedade privada dessas condições, seria instaurado o comunismo, que
ele entende como a associação livre dos produtores.
Para ele, não há liberdade sem o mundo material no qual os
indivíduos manifestam na prática a sua liberdade junto com outras pessoas, em
que transformam as suas circunstâncias objetivas de modo a criar o mundo
objetivo de suas faculdades, sentidos e aptidões. Ou seja, a liberdade humana
só pode ser encontrada de fato pelos indivíduos na produção prática das suas
próprias condições materiais de existência.
Desse modo, se os indivíduos são privados de suas
próprias condições materiais de existência, isto é, se as suas condições
objetivas de existência são propriedade privada (de outra pessoa, portanto),
não há verdadeira liberdade, e a sociedade se divide em proletários e
capitalistas. Sob o domínio do capital, a manifestação prática da vida humana,
a atividade produtiva, se torna coerção, trabalho assalariado; as
faculdades, habilidades e aptidões humanas se tornam mercadoria, força de
trabalho, que é vendida no mercado de trabalho, e a vida humana se reduz à
mera sobrevivência.
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Bakunin não
se referia a um ideal abstrato de liberdade, mas a uma realidade concreta
baseada na liberdade simétrica de outros. Liberdade consiste no
"desenvolvimento pleno de todas as faculdades e poderes de cada ser
humano, pela educação, pelo treinamento científico, e pela prosperidade
material." Tal concepção de liberdade é "eminentemente social, porque
só pode ser concretizada em sociedade," não em isolamento. Em um sentido
negativo, liberdade é "a revolta do indivíduo contra todo tipo de
autoridade, divina, coletiva ou individual."
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Fontes: Wikipédia – A enciclopédia livre
Neste momento, depois deste entediante banho de cultura
(enlatada), é minha convicção que uma esmagadora maioria dos autocaravanistas do “Porco no Espeto” há muito que deixaram
de ler este texto. É pena! Para muitos desses nossos companheiros autocaravanistas só ações exclusivamente coercivas os
“motivarão” a respeitar a liberdade de todos.
Não é obrigatório que estejamos de acordo com todos os
conceitos acima expressos, podendo mesmo estarmos em desacordo com todos.
Teremos, no entanto, que assumir que se quisermos viver em sociedade qualquer
conceito de liberdade tem que respeitar o outro ou, melhor dizendo, a liberdade
a que o outro também tem direito. Tenhamos também consciência, quer
consideremos filosoficamente que o homem é, ou não é, livre, que a vida em
sociedade impõe a existência de regras, aceites pela maioria e no respeito pelos
direitos fundamentais de todos. E quem as não cumprir, as regras, deve ser penalizado.
Convenhamos, então, que a liberdade não é um conceito
abstrato. Assim sendo, impõe-se perguntar aos autocaravanistas (não aos
utilizadores de autocaravanas):
Qual o âmbito de liberdade que o autocaravanismo deve ter
nas sociedades atuais para prevenir conflitos desnecessários? Permitir que
acampem na via pública? Cercear direitos às autocaravanas (discriminação
negativa) comparativamente com os direitos de outros veículos de igual gabarito? Aplaudir
ou criticar a recente expulsão de autocaravanas em Silves?
Deixo-vos com estas reflecções que pretendem ser tão-somente
uma introdução à análise da “expulsão” de autocaravanistas verificada em Silves a 21 de fevereiro deste ano
(ver AQUI)
e cujos poucos comentários entretanto feitos não souberam (ou não quiseram) extrapolar para além do
acontecimento local, nem mesmo relacioná-los com as proibições existentes em Quarteira
(ver AQUI).
Voltarei a este tema.
(O autor, todas as Quintas-feiras, no Blogue do
Papa Léguas Portugal, emite uma opinião sobre assuntos relacionados com o
autocaravanismo (e não só) – AQUI)
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