segunda-feira, 17 de março de 2014

Poesia de... D. Francisco Manuel de Melo


Vi eu um dia a Morte andar folgando

Vi eu um dia a Morte andar folgando
Por um campo de vivos, que a não viam.
Os velhos, sem saber o que faziam
A cada passo nela iam topando.

Na mocidade os moços confiando,
Ignorantes da morte, a não temiam.
Todos cegos, nenhuns se lhe desviam;
Ela a todos c’o dedo os vai contando.

Então, quis disparar, e os olhos cerra:
Tirou, e errou! Eu, vendo seus empregos
Tão sem ordem, bradei: Tem-te, homicida!

Voltou-se, e respondeu; Tal vai de guerra!
Se vós todos andais comigo cegos,
Que esperais que convosco ande advertida?

(D. Francisco Manuel de Melo - 1608-1666)





D. Francisco Manuel de Melo (Lisboa, 23 de Novembro de 1608 – 24 de Agosto de 1666) foi um escritor, político e militar português, ainda que pertença, de igual modo, à história literária, política e militar da Espanha. Historiador, pedagogo, moralista, autor teatral, epistológrafo e poeta, foi representante máximo da literatura barroca peninsular. Dedicou-se à poesia, ao teatro, à história e à epistolografia. Tendo publicado cerca de duas dezenas de obras durante a sua vida, foi ainda autor de outras, publicadas postumamente. Aliou ao estilo e temática barroca (a instabilidade do mundo e da fortuna, numa visão religiosa) o seu cosmopolitismo e espírito galante, próprio da aristocracia de onde provinha. Entre suas obras mais importantes, pode-se destacar o texto moralista da “Carta de Guia de Casados” ou a peça de teatro “Fidalgo Aprendiz” (que é uma "Farsa", como foi descrita pelo seu autor desde o início e não um "Auto" como tem vindo a ser designada por edições recentes).

O tema da morte está diversas vezes presente, como no soneto “Vi eu um dia a Morte andar folgando”, onde se reflecte sobre o poder desordenador, caótico e desequilibrado que a morte impõe ao mundo dos vivos e incautos. O soneto, com a sua forma limitada a catorze versos, vai ao encontro do poder de síntese próprio do autor. É frequente um estilo coloquial que se verifica noutros sonetos, como no “Que vos hei-de mandar de Caparica”, que não é mais que uma carta de Natal a uma prima, na altura em que esteve preso.

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