O Amor na obra de Camões
Dos temas mais presentes na lírica camoniana o do amor é
central e ocorre de modo conspícuo também n' Os Lusíadas. Na sua concepção
incorporou elementos da doutrina clássica, do amor cortês e da
religião cristã, concorrendo todos para incentivar o amor espiritual e não o
carnal. Para os clássicos, especialmente na escola platónica, o amor
espiritual é o mais elevado, o único digno dos sábios, e esta espécie de afecto
incorpóreo acabou por ser conhecida como amor platónico.
Na religião cristã da sua época o corpo era visto como fonte
de um dos pecados capitais, a luxúria, e por isso sempre foi encarado
com desconfiança quando não desprezo; conquanto fosse aprovado o amor nas suas
versões espirituais, o amor sexual era permitido primariamente para a
procriação, ficando o prazer em plano secundário. Da poesia trovadoresca herdou
a tradição do amor cortês, que é ele mesmo uma derivação platónica que coloca a
dama num patamar ideal, jamais atingível, e exige do cavaleiro uma ética imaculada
e uma total subserviência em relação à amada. Nesse contexto, o amor camoniano,
como expresso nas suas obras, é, por regra, um amor idealizado que não chega a
vias de facto e se expressa no plano da abstração e da arte. Contudo, é um amor
preso no dualismo, é um amor que, se por um lado ilumina a mente, gera a poesia
e enobrece o espírito, se o aproxima do divino, do belo, do eterno, do puro e
do maravilhoso, é também um amor que tortura e escraviza pela impossibilidade
de ignorar o desejo de posse da amada e as urgências da carne. Queixou-se o
poeta inúmeras vezes, amargamente, da tirania desses amores impossíveis, chorou
as distâncias, as despedidas, a saudade, a falta de reciprocidade, e a
impalpabilidade dos nobres frutos que produz. Tome-se como exemplo um soneto
muito conhecido:
Amor
é fogo que arde sem se ver
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
(Luís de Camões –
1524-1580)
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